caiman.de 12/2015

[art_2] Portugal: Astrolabio - A busca pelo latitude e longitude

Nas primeiras grandes viagens das descobertas para a África, a Ásia e as Américas feitas pelos espanhóis e portugueses, os únicos pontos de orientação eram as estrelas. Os marinheiros da Idade Média precisavam de muita coragem, pois havia boatos horríveis sobre o alto mar. Acreditava-se que, no oeste, o Atlântico terminaria numa enorme catarata e que, no sul, onde o sol alcança seu pino, o calor queimaria os navios.

Mas um problema real dificultava a navegação em alto mar: detrminar a latitude e a longitude. Já no ano 150 d. C., Ptolomeu fez um mapa-mundi, dividindo-o em latitude e longitude. O equador define-se mesmo pelo pino do sol, mas para o meridiano não tem nenhuma referência natural, e, na ausência disso, Ptolomeu definiu arbitrariamente a Ilha da Madeira como meridiano.

Para determinar a latitude usava-se nas viagens de descobertas, nos séculos XIV, XV e XVI, um instrumento inventado pelos gregos por volta de 130 a.C., provavelmente pelo fundador da astronomia e trigonometria científica, Hiparco de Nicéia: o Astrolábio, precursor do Sextante. Com ele, os gregos mediam a altitude de edifícios e a profundidade de poços. Entretanto, o conhecimento científico se perdeu para o ocidente, nos tempos do império romano e na caótica Idade Média.

Foram os árabes que salvaram a herança científica da antiguidade clássica e aperfeiçoaram o astrolábio, até os portugueses o redescobrirem e o modificarem de tal forma que permitisse medir o ângulo da estrela polar ou a altura do sol até no alto mar. O peso de dois quilos o sujeitava menos ao balanço do navio, e a abertura do disco do astrolábio diminuia a resistência ao vento, permitindo-o ficar na vertical, mesmo com o balanço do navio.

O procedimento de medir a latitude com o astrolábio funcionava da seguinte forma: no pólo norte, a estrela polar está exatamente em cima, na vertical em um ângulo de 90°. Quanto mais se desce para o sul, mais o ângulo diminui até chegar ao equador, onde se une com a linha do horizonte. No hemisfério sul usava-se o Cruzeiro do Sul. Durante o dia, pode se orientar através do sol, usando a altura máxima, ao meio-dia, para calcular a latitude.

Definir a longitude foi um desafio muito maior e significou, durante séculos, uma tarefa quase insolúvel. É possível determinar a longitude através da medição do ângulo entre a lua e diversas estrelas, mas os instrumentos apropriados só foram desenvolvidos no século XVIII e funcionavam apenas com bom tempo. Uma outra possibilidade era calcular a longitude através do fuso horário entre o porto de partida e a posição atual. Como as longitudes, com a aproximação dos pólos, ficam cada vez mais curtas até se unirem, era necessária uma tabela para fazer o cálculo da atual posição. Teoreticamente, o mistério foi resolvido, mas na prática ainda faltavam os instrumentos adequados para medir o exato horário local.

Os navegadores tentaram fugir desse dilema navegando sempre na mesma latitude e medindo a velocidade do navio, para calcular, assim, a distância percorrida. Mas as correntezas do mar e o vento fizeram com que as cálculos quase sempre ficassem imprecisos. E para os piratas foi muito fácil achar e capturar os navios, pois sempre cruzavam os mares na mesma latitude.

Era inevitável resolver o problema da medição do horário. Não faltaram idéias engraçadas e impossíveis como, por exemplo, a tentativa de usar a "pólvora da simpatia", remédio milagroso, para resolver o caso. Acreditava-se que bastava colocar a pólvora em alguma coisa que pertencesse à vítima ou na arma que a feriu, para curar o ferido, mesmo que essa pessoa se encontrasse longe.

Só que o processo era tão dolorido, que o ferido gritava de tanta dor. Então surgiu a idéia de ferir um cachorro com uma faca, colocar o coitado em um barco que saia pelo mar afora, deixando a faca no porto da partida. Todo dia, exatamente ao meio-dia, espalhavam a pólvora na faca, que causava uma dor incrível no cachorro a bordo do navio. Ao ouvirem o cachorro gritar, os marinheiros teriam o horário exato no porto da partida.

Outra idéia era usar navios de canhões, ancorados espalhados por todo o mar. Várias vezes, durante o dia, disparariam os canhões. Observando-se a diferênca entre o raio e a detonação, o capitão de um navio que se encontrasse perto calcularia a distância entre seu navio e aquele que disparou os canhões e, assim, a distância percorrida. Como a da "pólvora da simpatia", essa idéia tampouco funcionou. Basta apenas pensar no problema da âncora no mar de uma profundidade de 6.000 metros para saber que não funcionaria.

Só com os relógios marítimos, desenvolvidos por John Harrison durante o século XVIII, resolveu-se o problema da medição do horário em alto mar, e assim, da definição do grau de longitude. Numa viagem de ida e volta entre a Inglaterra e o Caribe, a discrepância do relógio registrou-se em apenas dois segundos.

Os relógios do genial Harrison encontram-se hoje no National Maritime Museum em Londres. Com os navios, que, durante os séculos, afundaram nos mares, a maioria dos astrolábios sumiu. Até 50 anos atrás, conheciam-se, no mundo inteiro, apenas 20 astrolábios. Mas, devido aos mergulhadores caçadores de tesouros, hoje já são mais de 80 que podem ser vistos nos diversos museus marítimos. A maior e mais impressionante coleção de astrolábios é a do "Museu de Marinha", no bairro de Belém, em Lisboa.

Texto e fotos: Thomas Milz

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