caiman.de 12/2007

[art_3] Brasil: Salvando os mangues
Mario Moscatelli e a luta contra o lixo

A luta contra o lixo é diária. Quando a maré sobe, traz todas as coisas que os milhões de habitantes da Grande Rio de Janeiro jogaram nos rios e na própria Baía da Guanabara: sofás, garrafas pet, televisões e até cadáveres.

Desde 1997, o ambientalista Mario Moscatelli luta para recuperar um manguezal no interior da Baía da Guanabara, onde antigamente funcionava o lixão de Gramacho. Para que o lixo dentro das águas da Baía não invada o manguezal, Moscatelli cercou a área com uma cerca de plástico cor de laranja.



O lixão de Gramacho tinha uma área total de 130 hectares. Desde 1997, quando o projeto foi iniciado, Moscatelli e sua equipe já recuperaram 25 hectares.

Encontramos Mario Moscatelli para falar sobre a importância dos manguezais e sobre as possíveis soluções para salvá-los.

Qual é a função dos manguezais?
Moscatelli: "O manguezal tem várias funções ambientais e socioeconômicos: ele serve como uma maternidade para os espécies marinhos, as aves e outros animais que vivem na Baía da Guanabara. Para eles, o manguezal é como um supermercado.

Mas o manguezal também funciona como um filtro bioquímico. Todos os materiais tóxicos que são trazidos da bacia hidrográfico para a Baía da Guanabara são absorvidos pela lama no manguezal. E não se tornam biodisponíveis. Ou seja, eles não são incorporados na cadeia alimentar.

E tem também uma importância econômica – dois tipos de caranguejos, que vivem no manguezal, são usadas para a alimentação humana."

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Quais são as razões dessa degradação chocante que estamos vendo?
Moscatelli: "Na verdade, isso aqui é uma guerra de dois mundos, e a Baía é um verdadeiro campo de batalha. Os manguezais estão sendo bombardeados diariamente com toneladas de lixo.

Essas áreas tem sido abandonados pelos políticos; o que estamos vendo aqui é um reflexo da ausência do poder, o resultado da falta de saneamento, de coleta de lixo e de políticas habitacionais.

O incrível é que o processo de degradação que se observe aqui na Baía da Guanabara, é o mesmo que se pode observar na Barra da Tijuca, uma área nobre da cidade. Por exemplo, lixo hospitalar, como seringas. Encontro este tipo de lixo tanto aqui como nas lagoas de Jacarepaguá, e até nas praias da Barra da Tijuca algumas seringas já foram encontradas.

É um absurdo que em pleno século XXI o carioca moderno continue tratando o meio-ambiente como o português que acabou de chegar no Brasil no século XVI: lançando o lixo no meio-ambiente."

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Mas porque as pessoas ainda não aprenderam a cuidar do meio-ambiente?
Moscatelli: "O cenário de degradação generalizada, seja na Baía de Guanabara, seja na Baixada de Jacarepaguá, ou na Baía de Sepetiba (todas no estado do Rio de Janeiro), tem um pano de fundo: a cultura do pau-brasil.

É a cultura de usar até acabar com os recursos naturais, seja ele a árvore pau-brasil, seja ele a Baía da Guanabara, seja ele as lagoas da Baixada de Jacarepaguá. Esse é um aspecto de natureza cultural, que vem se arrastando e enraizando na cultura brasileira há pelo menos 400 anos.

Só que há 400 anos atrás você tinha patrimônio ambiental para ser queimado. Hoje, já estamos no limite, não há mais como aceitar o processo de degradação. E esse processo de degradação vem das autoridades públicas, que são irresponsáveis, e do sentimento de impunidade que existe no país, pois nenhuma autoridade, por pior que seja, nunca será punida.

Os políticos sabem que podem fazer com o dinheiro público e com o meio-ambiente o que quiserem – eles nunca serão punidos. E isso é um sentimento generalizado no país, e no Rio de Janeiro infelizmente, a conseqüência é esse cenário que você está vendo.

Aqui não tem mocinho, aqui só tem bandido.

Essa tragédia é culpa dos inúmeros governos que por aqui passaram, e que só quiserem utilizar o poder no Rio de Janeiro como trampolim político. Em contrapartida, a sociedade também é omissa. A sociedade aceita os desmandos, e não exige o cumprimento da lei."


Qual seria a solução?
Moscatelli: "A grande solução é educação. Enquanto não houver educação, não há saída.

Quando olho para a baía, vejo o futuro, mas é um futuro sem esperança.

Mas quando olho para os mangues neste lado da cerca, vejo esperança. Mas é uma guerra covarde. Por que são milhões de metros cúbicos de sedimentos, milhões de metros cúbicos de lixo, milhões de metros cúbicos de esgoto sem tratamento, lançados diariamente, e nós aqui com nossas cerquinhas protegendo o manguezal.

O nosso futuro e principalmente o futuro das minhas filhas está em jogo. Quando estiver velho, quero olhar para a cara das minhas filhas e dizer: eu fiz o que eu podia, e mais do que podia.

Talvez muitas outras pessoas não terão coragem de falar isso para seus filhos."

Fotos + Entrevista: Thomas Milz
Contato Mario Moscatelli: moscatelli@biologo.com.br

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