caiman.de 10/2008

[art_1] Brasil: A cidade e o biocombustivel

Figuras mascaradas lutam contra uma muralha de varas amarelas e pretas. Prendam, com a mão esquerda, uma meia dúzia das varas de até dois metros e meio de altura para, em seguida, corta-las com o facão. Depois, jogam as varas para trás e seguem em frente, campo adentro.

Estamos no interior do sudeste brasileiro. Ou, como diz um político da região, no olho do furacão. Outros falam de um boom, ou do mais novo milagre econômico: etanol, o liquido que move milhões de carros no pais. Futuramente, o etanol moverá, também, milhões de carros Brasil afora, segundo o presidente Lula. Para o bem do clima mundial e da economia brasileira.


Realmente parece um bom negocio para a macro-economia brasileira. Mas quais são os efeitos para uma cidade pequena que vive quase totalmente da cana e dos seus derivados, do açúcar e do etanol?

Escolhemos uma cidade de apenas sessenta mil habitantes no interior de São Paulo.  Nos anos oitenta, ela era conhecida como cidade-modelo, relata o Secretario de Promoção Social da nossa pequena cidade. A rede de água e esgoto atingiu 100% dos domicílios, e o sistema de saúde implantado aqui foi copiado por muitas cidades brasileiras.

Na época, os agricultores da cidade e da região produziam uma diversidade impressionante de produtos, desde carne, milho, café e amendoim até arroz e vários tipos de legumes e frutas. Até teve uma cooperativa de leite, conta uma assistente social que nasceu e cresceu no campo. Hoje em dia, poucas pessoas ainda vivem no campo, lamenta. Venderam ou alugaram suas terras para a industria sucroalcooleira e foram morar na cidade.

A cana virou o negocio mais lucrativo – pelo menos para os donos das usinas e de terras. A maioria dos agricultores desistiu da produção própria, alugaram as terras para as usinas e vivem disso. E vivem muito bem. Em conseqüência, não se encontra mais alimentos produzidos na região. Tudo vem de longe, e os preços dos alimentos básicos dispararam.


A cana já ocupa setenta por cento das terras agricultáveis do interior de São Paulo, segundo o ministério de agricultura. O governo está preocupado com a forte expansão da cana e pretende freia-la. A criação de uma monocultura traria perigos para a economia local. Mas o que efetivamente poderia ser feito para frear o furacão? Eis a questão...

Novas industrias não se fixam na cidade ou na região, diz o Secretario para a Saúde. Pois não existe mão de obra qualificada; o resultado de meio século da dominação da cana. Nunca ninguém se preocupou em buscar alternativas ou qualificar os trabalhadores para tarefas mais exigentes que o processamento da cana.

A maioria dos cortadores de cana vem das regiões pobres do nordeste brasileiro para ganhar, aqui no sudeste, até 800 reais por mês. Na sua maioria, são jovens solteiros, sem família, que moram em casas alugadas pela usina. As vezes, são até vinte pessoas na mesma casa. O mercado imobiliário está super-aquecido, os preços de aluguel explodiram nos últimos anos.

Alem dos alugueis, há outros índices que subiram bastante: os da criminalidade e da violência aumentaram significativamente, relata o Secretario de Promoção Social. Prostituição, inclusive de menores, alcoolismo, drogas – a chegada dos trabalhadores rurais vindo do nordeste abalou as estruturas tradicionais da cidade. Os dez mil novos habitantes geram problemas para os sistemas assistenciais da cidade, como o SUS.

Mas há mudanças positivas também. Hoje em dia, a maioria dos trabalhadores possui uma carteira de trabalho e recebe os benefícios garantidos pelas leis trabalhistas – graças à fiscalização rigorosa feita pelo Ministério de Trabalho em Brasília.


Mas mesmo com os papeis regularizados – o trabalho na cana continua duro. Durante a noite anterior, a cana foi queimada, para facilitar o corte. Agora, as oito horas da manha, ainda há fumaça no ar, alem do calor sufocante. A jornada é de oito horas, seis dias por semana.

Mas a fumaça não tortura apenas os cortadores. Chega até à cidade. Durante a noite, as pessoas fecham as janelas, para se protegerem da fumaça. Fora, tudo está coberto por uma camada branca. Doenças respiratórias aumentaram significativamente, segundo o Secretario para a Saúde, e atingem principalmente crianças e idosos.

Isso deve mudar futuramente, segundo os planos do governo estadual. A partir de 2014, a queima da cana será proibida, e o corte será feito de forma mecanizada. Já se vê as maquinas nos campos da região. Mas são poucas, pois requerem um investimento pesado. Alem disso, há problemas praticas: pedras e troncos de arvores facilmente danificam as laminas, resultando em perda de tempo e reparos caros.

Sendo assim, não deverá ter, a curta prazo, mudanças significativas nas condições trabalhistas tão arcaicas. A região precisa buscar por caminhos alternativos alem da cana, alerta o Secretario para a Promoção Social. Pois até hoje poucos ficaram ricos com a cana – apenas os donos das usinas e das terras.

E isso certamente não é no interesse da sociedade, diz o secretario.

Texto + Fotos : Thomas Milz

[print version] / [arquivo: brasil]