caiman.de 04/2008

[art_1] Brasil: Perdido no paraíso
Stefan Zweig no Brasil (Parte 1) (parte 2)

"Você está sentindo o frio úmido do chão? E ainda nem estamos na época das chuvas!“ Alberto Dines  sobe a escada da casa em direção à varanda envidraçada pela qual se entra na casa. Ele olha para a mata densa das montanhas sobre Petrópolis. "Os nevoeiros que sobem a serra vindo do mar passam por Petrópolis. O clima as vezes pode ser terrível."



Petrópolis não é bem o que se entende como uma cidade agitada. Enquanto o sol lambe as muitas áreas verdes da antiga cidade imperial, é o lugar perfeito para curtir o silêncio. Com seus casarões antigos e as grandes avenidas cobertas de arvores impressionantes, a cidade possui, como nenhuma outra no Brasil, um flair europeu. Mas quando o sol se põe, ela adormece.

Em Agosto de 1936, Stefan Zweig embarcava no Alcântara para cruzar o Atlântico rumo a Buenos Aires, onde iria participar do Congresso Internacional do P.E.N.. Como escritor, o judeu austríaco estava no auge da sua fama. Mas ele previa tempos turbulentos pela frente. "Sinto-me feliz por ter abandonado a incerteza, a inquietação e a insegurança da Europa," Zweig declara, ao chegar no Rio, a um repórter.

O Alcântara chega ao Rio no dia 21 de Agosto. Zweig fica maravilhado ao ver o espetáculo da natureza da Baia da Guanabara. E quando o navio atraca no cais, o Brasil se encontra oficialmente à sua espera. Aqui, seus livros fazem sucesso e ele é uma celebridade respeitada. Inúmeros eventos oficiais para honrar Zweig acontecem nestes dias no Rio; ele não esperava tal recepção.

E ele se deixa iludir pela recepção amigável pelo regime Vargas. Pois não apenas na Europa há nuvens escuras aparecendo no horizonte. O Brasil também está mergulhando cada vez mais profundo rumo a um regime autoritário-totalitário. Não iria ser tão horrível como na Europa, pois até nas horas mais escuras, o Brasil mantém seu ar de inconseqüência tropical. Mas os direitos individuais dos cidadãos aqui também sofrerão violações, e a pequena comunidade judaica já está sentindo isso na própria pele.

Mas tudo isso o judeu Zweig não enxerga no meio de tanta bajulação. Ele faz um passeio a Petrópolis, situada a setenta quilômetros do Rio, e se mostra profundamente impressionado pela cidade, que foi fundada pelo imperador dom Pedro II, um descendente dos habsburgos. Uma versão mirim de Viena nos trópicos. Talvez esse fato o faça lembrar a sua tão amada Viena dos tempos da monarquia austro-húngara, antes da primeira guerra mundial. A metrópole onde passou sua juventude feliz, um mundo que agora parece perdido para sempre.

Depois de passar quase duas semanas no Brasil, Zweig segue para Buenos Aires. Durante o congresso do P.E.N., ele tenta mediar entre os escritores da esquerda radical e os pacifistas, ala a quem ele mesmo pertence, em vão. Desiludido, ele deixa Buenos Aires. Na volta à Europa, conhece rapidamente Recife, no nordeste brasileiro. Depois, segue para a Inglaterra que ele, anos atrás, tinha escolhido voluntariamente como exílio. De lá, ele terá que assistir ao início da segunda guerra mundial na Europa continental.

"Na época de Zweig não existia o segundo andar. E nem os vidros da varanda." Alberto Dines anda pela pequena casa pintada de branco. Pela varanda entra na sala principal da casa, com talvez vinte e cinco metros quadrados.

À esquerda, há mais dois quartos pequenos e um banheiro minúsculo. À direita, está a cozinha. Tudo muito simples e apertado. Nada indica que aqui vivia um escritor próspero, um dos grandes da literatura mundial. “Planejamos derrubar o segundo andar. Tudo deve voltar ao estado original do tempo quando Zweig morava aqui." Dines ainda está na procura pela planta original da casa. Uma vez achada, será discutido o que será derrubado. Mas o destino da garagem de concreto na frente da casa já está decidido. Será derrubada.

Exatamente quatro anos depois da sua primeira chegada ao Brasil, Zweig e sua segunda esposa Lotte chegam novamente à cidade maravilhosa, a bordo do Argentina. Desta vez, seu desejo de voltar para o país das “borboletas gigantes" mostra sinais de fuga. Talvez pense que aqui, a uma distancia de dez mil quilômetros das batalhas e perseguições, eles possam estar mais seguros. Mas o Brasil de agora é diferente daquele de quatro anos atrás. Getulio Vargas tinha estabelecido o Estado Novo, e há até no governo lideres políticos favoráveis a uma entrada do Brasil na guerra. Ao lado dos alemães que, na Europa, parecem invencíveis. Oficialmente, o Brasil se declara neutro. Mais tarde, entrará na guerra, ao lado dos aliados.

Mas Zweig não tem interesse em questionar o que há em baixo da superfície aparentemente amigável da sua nova pátria temporária. Talvez sua alma aterrorizada pela perda de tantas esperanças e visões no velho continente não suportasse mais uma decepção. Mais uma esperança perdida.

Assim, ele encara o Brasil cheio de simpatia, o país que o fornece em pouco tempo visto de residência. Enquanto isso, o mesmo país nega status de exilados ao milhares de imigrantes desesperados que escapam do caos da guerra na Europa.

No começo do ano 1941, Zweig e Lotte visitam rapidamente o norte e nordeste brasileiro. Dedicam apenas oito dias à viagem antes de partir rumo aos Estados Unidos. Lá, Zweig termina seu livro “Brasil - um país do futuro". Até agora, passou apenas algumas semanas no Brasil. Mas mesmo assim, se sente predestinado a colocar no papel um elogio ao país tropical. Talvez seja mais uma auto-ilusão do que uma descrição real. Milagrosamente, o titulo “Um país do futuro" muda, mais tarde, para “País do futuro", dando, assim ao Brasil o carimbo de singularidade.

Zweig não está feliz nos Estados Unidos. Em apenas sete meses, se muda cinco vezes. Parece incansável e, ao mesmo tempo, melancólico. Ele regressa ao Brasil. Mas até aqui as coisas já não estão como antes. A bajulação acabou, e agora Zweig enfrenta duras criticas. Partes da imprensa supunham que ele tivesse escrito o apolítico “Brasil - país do futuro" para agradecer ao regime pelo visto de residência.

Em setembro de 1941, o casal se muda para a pequena casa em Petrópolis. A rua é nomeada para homenagear o poeta brasileiro Gonçalves Dias, cuja obra mais famosa, a "canção do exílio“, começa com uma das frases mais conhecidas da literatura brasileira: "Minha terra tem palmeiras, onde canta a sabiá...“.

Aqui Zweig escreve uma das suas maiores obras: “Uma partida de xadrez". Para ele, o livrinho não passa de ser um pequeno conto para os apaixonados pelo xadrez, como escreve a um amigo.

"Nós queremos transformar a pequena praça no outro lado da rua num parque," diz Alberto Dines. Hoje, ela não passa de algo parecido com um ferro velho onde os catadores separam o lixo reciclável. No futuro, espera Dines, turistas desembarcarão aqui para visitar a casa de Zweig.


Há anos, Dines luta para transformar a casa num centro de memória dos exilados europeus que fugiram do nazismo. No meio da praça há uma pequena mesa de concreto, com um tabuleiro de xadrez.

No começo do ano 1942 Zweig trabalha em vários manuscritos ao mesmo tempo. Mas ele se sente cada vez mais solitário na pacata Petrópolis, milhares de quilômetros longe dos amigos europeus e uma viagem de varias horas longe dos poucos conhecidos no Rio de Janeiro. Ele sente falta das conversas intelectuais, de uma boa biblioteca e do contato com seus leitores. E sente preso e sem força para sair correndo, fugindo de um lugar para o outro, como tinha feito durante os últimos dez anos. E Lotte sofre cada vez mais de asma.

No dia 16 de fevereiro, Zweig fica consternado ao ler, nos jornais, sobre o afundamento do navio brasileiro Buarque por um submarino alemão. Pela primeira vez, houve uma confrontação bélica entre as duas nações. Finalmente, a guerra parece ter chegado ao seu paraíso-exílio. É quarta-feira de cinzas. E o carnaval finalmente acabou. Três dias depois, outro ataque alemão afunda mais um navio brasileiro, o Olinda, perto da costa norte americana. Zweig está acabado, chegando perto do fim. Agora, mais uma só gota bastaria para tudo acabar, ele confessa a um amigo.

Às quatro horas da tarde do dia 23 de fevereiro, os empregados da casa encontram os corpos de Stefan e Lotte no quarto de dormir. Zweig está deitado de costas, suas mãos cruzadas sobre o peito. Lotte apóia se no seu ombro esquerdo. Sua mão esquerda segura a mão direita do marido. A perícia detecta que Zweig tomou o veneno primeiro, e Lotte esperava até ter certeza da sua morte. Logo depois, ela também tomou veneno. No total, Zweig passou 315 dias de sua vida no Brasil.

Na sua carta de despedida, titulada de Declaração, em português, mas escrita em alemão, ele se despede deste mundo onde não encontrava mais uma pátria:

"Saúdo todos os meus amigos. Que lhes seja dado ver a aurora desta longa noite. Eu, demasiadamente impaciente, vou-me antes."

Texto + Fotos : Thomas Milz

Agradeço ao Alberto Dines, o qual escreveu uma biografia maravilhosa sobre Stefan Zweig.

MORTE NO PARAISO - A TRAGEDIA DE STEFAN ZWEIG
DINES, ALBERTO
ROCCO
ISBN: 8532516912

A Casa Stefan Zweig em Petrópolis: www.casastefanzweig.org.br
Na edição de Maio você encontrará aqui uma entrevista com Alberto Dines!


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