caiman.de 03/2015
[art_3] Argentina / Uruguai: A luta pelo Rio de la Plata
Colônia del Sacramento, Uruguai Quem vê, hoje em dia, a românica cidadezinha de Colônia del Sacramento, situada numa pequena península na costa urugaiana, não pode acreditar que, durante quase um século, houve guerras sangrentas por causa deste lugar. O povoado causava diversas lutas e combates entre a Coroa espanhola e a Coroa de Portugal. Uma expedição portuguesa, liderada por dom Manuel Lobo, fundou a cidade em janeiro do ano 1680, na margem esquerda do Rio de la Plata, em pleno território espanhol. Logo em seguida, Colônia del Sacramento se transformou no maior centro contrabandista da América do Sul.
Os espanhóis não podiam ignorar essa ameaça do próprio poder e da sua hegemonia sobre a região do Rio de la Plata. A região da banda oriental, que hoje forma o Uruguai, não era ainda ocupada pelos espanhóis, mas mesmo assim, claramente território espanhol, segundo o tratado de Tordesilhas. Só que a Coroa portuguesa nunca aceitou isso. Dom Manuel Lobos tentou tranquilizar os espanhóis, confirmando que o único interesse dos portugueses de Colônia del Sacramento era o comércio. Mas o governo em Buenos Aires suspeitava disso e temia a colonização da região pelos portugueses. Assim, o governador de Buenos Aires, José de Garro, solicitou a ajuda de outras cidades espanholas e conseguiu juntar tropas de Córdoba, Tucumán e La Rioja para combater os portugueses. As missões jesuíticas mandaram 3 mil índios guaranis, possuidores de vivas lembranças da atuação escravizadora dos bandeirantes portugueses. Na madrugada de 7 de agosto de 1680, os espanhois e guaranis atacaram Colônia del Sacramento. Poucos portugueses sobreviveram ao massacre. Para os espanhóis de Buenos Aires, essa vitória significava muito mais do que apenas a expulsão de uma força estrangeira do prório território. A vitória deu, depois de tantos anos de desconsideração da Coroa espanhola e outras cidades vizinhas espanholas, à Buenos Aires o tão desejado respeito.
Com a liderança na guerra contra os portugueses de Colônia del Sacramento, Buenos Aires ganhou a liderança e hegemonia sobre toda a região, e foi escolhida, mais tarde, para ser a sede do vice-rei. Mas a Coroa portuguesa não desistia tão facilmente do seu sonho de explorar e incluir essa vasta região e de dominar, assim, o Rio de la Plata. Depois de ter se assegurado da neutralidade da Inglaterra e do apoio da França, tropas portuguesas se posicionaram na fronteira com a Espanha. A Coroa portuguesa mandou um ultimato de 15 dias à Espanha, para que essa desse satisfação a Portugal, devolvendo a cidade de Colônia del Sacramento e castigando o governador de Buenos Aires, José de Garro. Carlos II, rei da Espanha, cedeu, e a 7 de março de 1681, o Tratado Provisional foi assinado, devolvendo Colônia del Sacramento para os portugueses. Em troco, os portugueses se comprometiam a não aumentar a área da cidade, como, também, a não estabelecer qualquer tipo de comércio com os espanhóis. Mas os portugueses ignoraram logo o tratado, e mandaram famílias do Rio de Janeiro para colonizar a região.
Para os portugueses, os rios Paraná e Uruguay significavam a rota mais fácil para distribuir os produtos portugueses para o interior do território espanhol. Durante muitos anos, a Coroa espanhola nada pôde fazer contra isso. Só a Guerra da Sucessão Espanhola (1701-1714), que colocou a Espanha como inimigo de Portugal, resultou no abandono da cidade aos espanhóis, em 1705. Mas com o fim da guerra e o tratado de Utrecht, em 1715, a Coroa espanhola teve que devolver Colônia del Sacramento, a fim de obter o reconhecimento à ascensão dos Bourbons ao trono espanhol. Mas o tratado limitava o território de Colônia a uma distância alcançada por tiro de canhão, disparado dos muros da cidade. Só que mais uma vez, os portugueses não se comportaram conforme o tratado, e, em 1718, sessenta famílias portuguesas foram trazidas para colonizar a região. As tensões permanentes entre os portugueses e espanhóis chegaram num sítio da cidade por quase dois anos (1735-1737), que resultou no fracasso da colonização portuguesa fora dos muros de Colônia. O tratado de Madri, de 1750, previa a entrega de Colônia del Sacramento à Espanha e, em troca, a anexação da região dos Sete Povos das Missões (Santo Ângelo, São Borja, São João Batista, São Lorenço, São Nicolau, São Miguel e São Luís Gonzaga) pelos portugueses. Mas os padres jesuítas não aceitaram o tratado e armaram os guaranis.
Mas com a derrota conjunta da Espanha, ao lado da França, no fim da guerra, a Espanha teve que devolver Colônia aos portugueses. Mas uma nova guerra, em 1777, possibilitou a reconquista de Colônia del Sacramento pelos espanhóis. Portugal e a Espanha assinaram, no mesmo ano, o tratado de Santo Ildefonso, em que a Espanha conseguiu, oficialmente, o domínio sobre Colônia e a região dos Sete Povos das Missões. Em troca, a Espanha devolveu o território brasileiro, ocupado desde da "Guerra dos Sete Anos". O Tratado do Pardo, em março do ano seguinte, ratificou esse troco, que deu fim à luta de quase cem anos pelo domínio da cidade de Colônia del Sacramento. Mas a luta pelo domínio da região de La Plata continuava. De 1816 até 1828, Brasil ocupou o atual Uruguai e declarou o território parte do Brasil, sob o nome de Província da Cisplatina. Só depois de uma guerra de três anos, de 1825 até 1828, o Uruguai conseguiu sua independência. Os espanhóis construíram a "nova" Colônia del Sacramento fora dos muros portugueses. Assim, a Colônia "portuguesa foi esquecida, as casas começaram a cair. Hoje, o centro histórico pertence ao Património da Humanidade da UNESCO, e turistas de todas as partes do mundo curtem o silêncio tão agradável deste lugar de uma história sangrentíssima.
Com os movimentos das ondas do rio, os barcos e iates ancorados balançam suavemente, enquanto os pescadores jogam suas redes nas águas marrons ou se sentam nas pedras que se erguem da água. O sol faz a sua despedida e se põe atrás dos arranha-céus de Buenos Aires, que, de repente, aparecem no horizonte. Texto + fotos: Thomas Milz [print version] / [arquivo: argentina] |