caiman.de 01/2014

[art_2] Brasil: Adeus São Paulo
 
Quase doze anos já se passaram desde daquele dia em que cheguei no Aeroporto Internacional de São Paulo, onde me despedi do meu companheiro de viagem depois de uma excursão de várias semanas Brasil adentro. Enquanto ele pegou o voo de volta para a Alemanha, subi no ônibus que me levaria até o centro daquela cidade monstra que já conhecia de viagens anteriores. Mas agora era para valer, para ficar. E para a conhecer de dentro, de verdade. Fiquei sem chão.

As primeiras semanas dormindo no sofá de um amigo, num apartamento apertado na esquina da Ipiranga com a Rio Branco, e de lá pegando um ônibus e depois um trem para chegar no distante trabalho em Santo Amaro, horas e horas no transito quase insuportável que a cada dia leva milhões das suas casas para o ganha-pão no outro lado daquele mundo que se diz cidade. Eu ganhava um salário mínimo, naqueles dias nada mais que 200 Reais.

A vida melhorou quando achamos um apartamento grande com preço pequeno na Vila Madalena, bairro boêmio dos intelectuais da Paulicéia Desvairada. Papos altos, muitas caipirinhas, com preferência de frutas vermelhas. Treinado no papo furado, decidi ser jornalista, seguindo a caravana do então barbudo candidato à Presidência pela cidade. Sonhos grandes, clientes zero. Ninguém pagava pelas matérias, mas as aulas de Alemão e Inglês seguravam o barco.

Os primeiros namoros, ainda sem saber em que direção a carruagem andaria. Só depois os primeiros trabalhos sérios, escrevendo sobre matérias primas em inglês. Quem diria!?! O laptop nos joelhos, pois mesa não tinha, fabricando as pequenas notícias. À noite, os bares, os papos com os amigos. Dizem, no Rio, que a praia é lugar democrático. Digo eu que são os bares paulistanos. Lugares onde nunca ninguém chamou o gringo de gringo, mas de amigo.

Amigos, alias, muitos amigos, a maioria de fora, para dividir as faltas sentidas todos os dias. Amigos que ensinaram os caminhos, amigos que deram a direção, que dividiram o que eles mesmo tinham descoberto ao longo dos tempos. Junto e aos poucos, se conquistou todo o país a partir das terras paulistanas, como faziam os Bandeirantes tantos anos atrás. As partidas do Aeroporto Internacional se direcionavam para cada canto do país continental, ou até mais longe, até o Rio de la Plata ou os Andes. São Paulo era a base, mas o mundo crescia constantemente em volta dela.

Enquanto os primeiros anos pareciam séculos, os últimos se foram voando. Depois de dois anos nos Jardins, lugar espetacular, alias, de volta para mais dois anos na Vila. Mas de tanto viajar, quase não dava mais tempo para curtir a paz espiritual daquele povoado no meio da muvuca urbana. Nos últimos anos, só cheguei para desfazer e fazer as malas e logo ir embora novamente. Os amigos espalhados pelo mundo, o trabalho empilhando às alturas. E uma pequena menina longe daqui chamando por seu pai. Não tinha mais tempo, chegou a hora de se despedir.

Tu es careta, a maior cidade do interior brasileiro, povoado com povo sem jeito, sem ginga, sem noção, sem tradições, sem limites, sem beleza, sem vergonha. Mas, como se diz em alemão: eine ehrliche Haut, com uma pele verdadeira. Você cuidou bem de mim, obrigado por isso.

Bye-bye São Paulo. Tua irmã mais bonita está me chamando.

Texto + Foto: Thomas Milz

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