Portugal: 30 anos depois a Revolução doe Cravos
Trinta anos depois do 25 de Abril de 1974, o que mudou em Portugal? Ao falar do 25 de Abril, há que falar de cravos vermelhos, símbolo eterno da Revolução, da queda da ditadura e da libertação do país de um jugo de quarenta e oito anos, do período conturbado de dois anos que se lhe seguiu, com o famoso Verão quente de 75, do fim da guerra colonial, dos regressados das ex-colónias (retornados), das manifestações populares, gigantescas e espontâneas, e de todas as transformações sofridas pela sociedade desde então.
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Para quem não viveu a época, há uma certa dificuldade ou mesmo impossibilidade em falar da mesma de uma forma credível, mas, mesmo sem idade para se compreender o antes e o depois, sabe-se, desde tenra idade, que o 25 de Abril é a data histórica mais importante do século XX em Portugal.
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O Movimento das Forças Armadas (MFA) tinha apresentado como objectivos os três D: descolonizar, democratizar e desenvolver. Trinta anos depois pode-se dizer que os dois primeiros D foram alcançados, mas muitas vozes se levantam no que toca ao desenvolvimento do país. As mudanças no país a nível económico, especialmente depois da adesão à União Europeia, são bem visíveis, mas àqueles que diziam que, em termos económicos, Portugal estava aflitivamente atrasado contrapõem economistas de gabarito, como o recentemente falecido Professor António de Sousa Franco, que a economia do país era estável, composta por "uma sólida situação patrimonial, financeira e cambial, dotada de crédito, ouros e divisas e praticamente sem dívidas um Estado sério e em processo de modernização capitalista, com uma dinâmica nova dos grupos económicos, industriais e financeiros, boas remessas de emigrantes e receitas de turismo". Tendo isto em consideração, o que faltava ao país era, de facto, a democracia e a paz, tanto nas colónias como na própria pátria. A Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), por exemplo, era uma sombra sobre a vida das pessoas, dado que qualquer pessoa, justa ou injustamente, poderia cair nas garras dos pides e ser torturada, presa e desterrada.
Em termos de educação vemos hoje que qualquer pessoa pode frequentar um curso universitário, coisa impensável há trinta anos. Naquela altura só os filhos de famílias ricas tinham acesso à educação universitária e os filhos de famílias mais pobres teriam de frequentar as entretanto extintas Escolas Industriais e Comerciais, onde se aprendiam ofícios "menos nobres", como o ofício de carpinteiro, de electricista, entre outros.
É ainda na universidade que temos uma outra prova de mudança radical na sociedade, na medida em que antigamente não era bem visto que mulheres frequentassem a universidade e hoje são elas a maioria (390 977 licenciadas contra 283 117 licenciados em 2001), mesmo em áreas tradicionalmente masculinas.
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A massificação do Ensino Superior deu origem a um fenómeno deveras preocupante para o país, já que se considera que há demasiados doutores e engenheiros para a dimensão de Portugal (um total de 674 094 licenciados em 2001 contra 49 365 em 1970). Todos os anos, por exemplo, ficam milhares e milhares de professores no desemprego por não haver vagas nas escolas do Ensino Básico e Secundário. Há cada vez mais escolas a serem encerradas, até nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Apesar do elevado número de doutores e engenheiros, a taxa de analfabetismo continua alta (9,0% em 2001) e, entretanto, surgiu o fenómeno da iliteracia, i.e., a incapacidade de compreender aquilo que se lê. Hoje lamenta-se o facto de se ter eliminado, logo após o 25 de Abril, a possibilidade de frequentar cursos técnicos nas Escolas Industriais e Comerciais, o que criou um grande vazio em áreas de trabalhos imprescindíveis à sociedade. O facto de hoje um canalizador ter uma maior garantia de emprego e poder ganhar melhor do que um advogado ou professor é um dos resultados desta política de massificação do ensino.
Há cerca de trinta anos, não havia água canalizada em metade dos lares portugueses e mais de um terço não tinha electricidade. Segundo estatísticas de 2001, já só 0,5% das casas em Portugal não tem electricidade e 2,1% não tem água canalizada, pelo que se vê aqui o gigantesco esforço dispendido para trazer mais conforto às casas portuguesas.
O desenvolvimento dos cuidados de saúde, o aumento do número de centros de saúde e de médicos proporcionou um decréscimo da mortalidade infantil e o aumento em dez anos da esperança de vida. Há que admitir, no entanto, que há cada vez menos nascimentos e que o estado actual das infraestruturas de saúde deixa muito a desejar, com as listas (infindáveis) de espera para operações, entre outros problemas.
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O emprego, ou melhor, a falta dele é uma das grandes preocupações dos jovens de hoje e o fantasma do desemprego paira até sobre aqueles que trabalham há anos, em fábricas, por exemplo, e que aos 45 ou 50 anos, sendo novos demais para a reforma, são despedidos sem quaisquer garantias ou grandes hipóteses até de encontrar um novo emprego.
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Há já muito tempo, no entanto, que Portugal deixou de ser um país de emigração, tendo passado a ser destino de milhares de cidadãos da Ucrânia, da Moldávia, para além, também, de cidadãos das excolónias, especialmente de Cabo Verde e de Angola.
Em termos de turismo, Portugal continua a ser um destino muito apetecível na Europa, especialmente para cidadãos alemães e ingleses, representando esta área uma grande fonte de receitas. Estima-se que mais de um milhão de pessoas tenha abandonado os campos para rumar para as cidades, o que gerou um descalabro da área primária em Portugal, situação que a adesão à União Europeia, com os seus fundos de apoio, não alterou. A imprensa já não é alvo de censura, nem tão pouco os políticos, havendo, de facto, uma grande liberdade que só o 25 de Abril logrou alcançar. A justiça é uma das grandes desilusões dos Portugueses, já que a lentidão dos processos nos tribunais, a ideia de corrupção generalizada e casos incríveis de prescrição têm minado a confiança nesta área fulcral para a democracia.
De qualquer maneira, o país está a milhas daquela concepção imperialista e colonialista do Estado Novo e abriu-se para o mundo, tendo-se tornado uma nação moderna e aberta, mau grado tudo o que há ainda por fazer. Há uma certa crise de valores, que é geral, podendo-se até dizer mundial, e a sociedade portuguesa tem-se mostrado um pouco desnorteada, culpando, por exemplo a União Europeia, com as suas políticas económicas, ou o Alargamento a Leste pela situação económica difícil que o país atravessa desde há alguns anos.
É em alturas como esta que muitos se perguntam o que aconteceu a Abril; é em alturas como esta, em que se vêem as conquistas sociais de Abril desaparecerem, que se pergunta de que valeu toda a luta. Entrevistas e sondagens realizadas mostram que os Portugueses estão, de facto, insatisfeitos, mas não com o 25 de Abril em si.
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A insatisfação dos Portugueses prende-se com aquilo que ficou por fazer, com a democracia que falta alcançar, com a questão de todos terem direito a trabalho e a tratamento médico. A insatisfação dos Portugueses está direccionada para os políticos, de quem se espera que façam mais e melhor. Os Portugueses estão insatisfeitos com a falta de segurança nas ruas à noite e até de dia, com a corrupção, com a falta de infraestruturas que permitam um bom nível de vida duradouro. A insatisfação dos Portugueses é bem patente nos altos níveis de abstenção verificados nos últimos anos, por último nas eleições para o Parlamento Europeu.
Em jeito de conclusão, passo a citar o professor Marcelo Rebelo de Sousa numa entrevista realizada a 18 de Novembro de 2003 na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. À pergunta se achava que tinha valido a pena e se os jovens de hoje dão valor à Revolução do 25 de Abril, o professor responde:" Uma coisa é valer a pena, outra coisa é as pessoas valorizarem. Mas aquilo que se recebe nunca se valoriza! Nós damos valor àquilo que se conquista. Aquilo que é uma evidência, que é um dado da nossa vida é como o ar que se respira! Ninguém diz que podia não haver ar! E eu podia sufocar ou morrer. Não há ar! O que eu quero é melhor ar, porque este não me chega! Portanto, é natural.
As gerações têm expectativas cada vez mais elevadas e não têm a noção exacta de como foi difícil chegar onde se chegou e como foi há pouco tempo. Como foi há mais tempo do que a vida deles, há uma evidência! É como se tivesse sido sempre assim, mas não foi!".
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Para quem, como eu, não viveu o período do Estado Novo, nem o da Revolução, nem sequer o período de rescaldo e só mais tarde começou a ter noção do que se passou, resta ouvir quem viveu essas épocas e aprender que nada é garantido, que a democracia é uma coisa preciosa e frágil e que há que lutar por ela todos os dias. Nesse sentido, o espírito do 25 de Abril está vivo e recomenda-se.
Éste artículo se encuentra publicado en matices, la revista, que coopera con caimán.