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os heróis do brasil

Nada sobre futebol

"Pelo amor de Deus, não escreva nada sobre futebol, nada sobre a copa!", todo mundo implorou, mesmo que a seleção do Pentacampeão seja “o” herói dessa hora. "E, por favor, nada sobre aquele Ronaldo! O cara e toda a história já encheram o saco ...". Teria sido realmente uma ótima matéria. Poderia escrever coisas bacanas, como a história de um cara tipo "ex-herói", que ficou dois anos e meio fora do campo, machucado. O mesmo que, quatro anos atrás, na final da copa 98 contra a França, pisou na bola de maneira feia com os dois pés ao mesmo tempo, e no qual ninguém mais acreditava, até que, de repente, renasce e vira um Deus.

Até me dói perder a chance de fazer brincadeiras com o triângulo de pentelhos na cabeça dele, de não falar sobre as possibilidades comerciais de criar uma peruca deste tipo, mas.... Deixa pra lá. "Pentelhocampeão!"

"Escreva, excepcionalmente, algo decente, inteligente, sobre cultura, ou arte!" Teria zombado dos outros jogadores da seleção pentelhocampeã, como, por exemplo, elaborar a teoria de que o Roque Jr. era bicha, pois sempre pegava os atacantes adversários mais bonitinhos por trás e se jogava em cima deles.

E se tivesse escrito o artigo, teria explicado porque a Ronaldinha Gaúcha sempre está rindo, mesmo quando foi expulsa, durante o jogo contra a Inglaterra. (Na verdade, ela não está rindo, é que os dentes dela não cabem todos juntos ao mesmo tempo na boca)

Eu teria escrito sobre aquela frase, que eu soltava na hora dos jogos da seleção, para encher o saco dos meus amigos brasileiros: "Ca fúdeu a bola para Ronaldo..." Assim, ninguém jamais saberá disso!

E, com certeza, para muitos viciados e doidos por futebol que existem no mundo inteiro teria sido interessante saber que a maioria dos brasileiros acha que o gol da Ronaldinha Gaúcha contra o Seaman da Inglaterra foi sem querer. Ela simplesmente não conseguiu fazer o cruzamento. Eu também acredito nisso, pois os brasileiros também são campeões em transformar um fracasso numa obra-prima, feita de propósito (por exemplo, esse cruzamento que não deu certo e entrou direto no gol). "Caras-de-pau!"

Neste contexto, eu teria ficado super-contente em acabar com o Rivaldo, que recebeu uma bolinha leve nas pernas e se jogou no chão, fingindo que tinha levado um tiro na cabeça.

Que pena que não foi realmente assim! E o Luizão, que depois de uma duvidosa falta correu mais 10 metros para se deixar cair exatamente na linha da grande área. Coitados dos turcos. E coitados dos belgas, de quem foi roubado merecido 1 X 0 contra o Brasil.

E, com certeza, de alguma maneira teria conseguido ligar tudo isso às minhas histórias famosas e prediletas sobre minhas aventuras no Brasil durante a copa de 1998, aquela da França. Cada vez que eu conto essas histórias, elas ficam, milagrosamente, melhores e mais aventurosas, a lenda inflada das minhas façanhas não feitas! As duas oportunidades em que os brasileiros me confundiram com um compatriota do então adversário da seleção brasileira, (durante o jogo contra a Holanda, alguém gritou "Olha, o Frank de Boer!" indicando para mim, e da segunda vez... até nem me lembro mais, mas com certeza teve uma segunda vez...) já se transformaram na lenda "sempre que a seleção jogou, me confundiram com um.......". Escocês, dinamarquês, norueguês, holandês ou francês, eu sempre fiquei sob suspeita! E a multidão de entrevistas que dei se limitou, na verdade, a duas: em Cuiabá fui perguntado por um repórter da rádio local sobre minha expectativa do placar do jogo contra a Dinamarca, ("5 a zero, para a Dinamarca, I`m sorry") e em Copacabana, no intervalo da final Brasil X França, fui "entrevistado" por uma equipe da Globo: de onde era e para quem estava torcendo ("Da Alemanha, mas para o Brasil, obviamente!").

Mas é plena verdade que dormi, depois da derrota vergonhosa da final, na praia da Copacabana. Tinha esquecido a chave do apartamento onde fiquei com um amigo.

Melhor então nem contar como a gente se perdeu um do outro, lá na tal discoteca-gringo "Help", mexendo de maneira inescrupulosa com aquelas damas. Ele estava com as chaves, foi embora e eu tinha que ficar, sem as chaves. Graças a Deus que ninguém nunca vai saber de tudo isso!

De volta à Copa 2002. Nesta matéria irreal, teria falado daquela brincadeira, na qual eu, um dia durante a copa, fui a um supermercado para comprar frango e o cara lá disse que não tinha mais frango, pois eles tinham mandado todas as galinhas mortas para o Japão e para a Coréia do Sul, para deixá-las jogar contra o Brasil. A Turquia, a China, Costa Rica, a Bélgica, a Inglaterra e, mais uma vez, a Turquia!

Em plena falsificação da realidade, teria asseverado que a vitória da seleção canalharinha foi injusta coincidência, sem merecer mesmo, o que ficou bem claro na chegada em casa das duas seleções. Grande festa na Alemanha, comemorando o vice-campeonato, enquanto chovia pedras em cima da seleção brasileira nas ruas de Rio de Janeiro!!! E aquele papo-furado sobre a "vitória do futebol arte brasileiro sobre a ordem germânica", coisa sem graça. Basta dar uma olhada naquela "turnê das três cidades" dos pentacampeões por Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo para saber que, com um pouco da ordem germânica, tudo isso não teria acontecido.

Que oportunidade perdida de erigir meu ausente sentimento nacional. Teria esclarecido que quase todos os times na copa, com exceção do alemão, fizeram uma marmelada com as arbitragens e os juízes! Chance perdida de falar para todo mundo que o Kahn somente não conseguiu segurar AQUELA bola porque um jogador brasileiro quebrou um dedo dele, pouco antes, de tanta maldade. E a chance de falar que para mim, na verdade, tanto faz quem ganhou, pois tem coisa no mundo muito mais importante do que futebol, principalmente para um Europeu, que gosta de se banhar em cultura, de tagarelar ‘inteligentemente’, que é tão tolerante que até fica feliz com as belas jogadas e os golaços do time adversário contra o próprio, e que, além disso, já é maravilhoso que a Alemanha chegou na final, e que todos os alemães são amigos e por isso sempre chegam lá em cima... Uaghhhh!!!

Sem esquecer que a defesa alemã, durante toda a copa, foi melhor que a brasileira. Aquela defesa brasileira só estava boa na final por que, claro, os alemães ensinaram todos os truques para o Lúcio durante o estágio dele na Alemanha.

Mas, na verdade, escrever algo sobre futebol não faz sentido, e, por isso, foi certa a minha decisão de não escrever nada sobre esse assunto. Melhor assim. Pois, como já disse, tem coisa muito mais importante na vida do que uma copa de futebol. Especialmente para os que perderam.

Texto + Fotos:
Thomas Milz


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