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Brasil: Entre Fome Zero e Carro Zero
Notícias do país do Lula

É outono no Brasil, o ano é 2004, mesmo que a apresentadora do "Miss Brasil 2004" apresentasse a vencedora do concurso como Miss Brasil 2002. E parece que ela não é a única pessoa com saudades dos tempos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. No momento, o Brasil vive uma fase de pouca esperança. A violência urbana aumenta e a tão esperada recuperação econômica não vem. Com um terço do mandato do presidente Lula já passado, chegou a hora de fazer uma avaliação de sua gestão.

O verão de 2004 em São Paulo foi frio e muito chuvoso. "O fevereiro daqui já é quase tão frio como na Alemanha", ouvia-se o povo gemer. "É por que agora, graças ao governo Lula, a gente pertence ao primeiro mundo", uns cínicos declararam. Só faltava começar a nevar.

EDias depois, uma tempestade de granízio atingiu São Paulo, deixando parte da cidade coberta de uma lama branca. "Riam e sejam felizes", otimistas falaram, "pois a coisa poderia ter ficado pior". E todo mundo ria e ficava feliz, e a coisa ficou pior. Um assessor de José Dirceu, chefe da casa civil do governo Lula, foi filmado ao pedir propina a um bicheiro. Isso aconteceu pouco antes do carnaval. E desde então, o governo Lula está paralisado.

Entretanto, o outono chegou, e com ele, também, um calor de verão. Finalmente. Nos bairros mais badalados de São Paulo, como a Vila Olímpia e a Vila Madalena, os filhos das famílias bem sucedidas enchem os bares e as discotecas. Com o som do carro ligado no volume máximo, eles cruzam as ruas da cidade nos seus carrões Pick-up, meio de transporte preferido pelos filhotes das "famílias felizes da vida". É esse grupo de adolescentes que, nos últimos meses, preocupou muito as autoridades e a opinião pública. No Rio de Janeiro, a polícia implantou um grupo especial de investigação para combater os crimes destes jovens de famílias bem sucedidas, chamados "Pit-boys".

Eles ganharam esse apelido por causa da preferência pelos cachorros da raça "Pit-bull", tão agressivos como os próprios "Pit-boys". Um deles, depois de não ter conseguido entrar numa festa particular, voltou armado e acompanhado por outros "Pit-boys", para se vingar da "humilhação" sofrida. E as imagens de um assassinato, feitas em preto e branco por uma câmara de segurança no Rio de Janeiro, deixaram o público muito chocado. Nelas, um "Pit-boy" mata um outro jovem com oito tiros. Sentado no seu carro, ele atira na vítima, que tenta fugir das balas, arrastando-se pelo chão. Mas o "Pit-boy" não pára de atirar, até esvaziar o cartucho da arma. Umas semanas depois, a polícia conseguiu prendé-lo numa praia da "Zona Sul", onde ele estava jogando vôlei com seus amigos.

Enquanto isso, as gângues de tráfico de drogas do Rio de Janeiro continuam se matando e aterrorisando a população que vive nas favelas. A polícia ocupa, com mais de 900 homens, a favela da Rocinha, e continua caçando os traficantes. Acharam, num depósito de armas de uma gângue, oito minas terrestres.

Parece que os tempos estão ficando mais e mais difíceis. E mais cruéis. O ministro da justiça se ofereceu a mandar tropas das forças armadas para o Rio de Janeiro, para lutar contra os traficantes. E de dentro do governo estadual surgiu a idéia de cercar a Rocinha, ou com um muro de três metros de altura ou com uma cerca de arame farpado.

Nos cinemas estreiou, há pouco tempo, um documentário sobre a vida no Carandiru em São Paulo, a maior prisão da América do Sul, fechado no ano passado. O filme mostra o cotidiano dos prisioneiros, que plantavam marihuana nas celas, andavam armados e mantinham contato com o mundo lá fora usando celulares. Numa entrevista, um ex-diretor declara que, sem mudanças na política social, a violência vai aumentar cada vez mais. A prisão não serve mais para reeducar, mas apenas para tirar os criminosos da sociedade a fim de protegê-la deles. Numa outra seqüencia do filme, o governador de São Paulo anúncia, cheio de orgulho, o grande número de prisões construídas na sua gestão.

Com a vitória de Lula, nas eleições no final do ano 2002, esperava-se uma política que promovesse a justiça social e que combatesse a exclusão social de grande número de brasileiros. Mas os grandes programas do governo evaporaram sem dar muito impacto. Ao resumir o primeiro ano do projeto Primeiro Emprego, uma agência de notícias informou ao país que o programa tinha conseguido credenciar apenas um empregado: um copeiro em Salvador da Bahia. O governo negou e disse que foram 500 vagas. Mas mesmo assim, esse número fica longe das 260.000 vagas pronunciadas nas propagandas oficiais do ano passado, e ainda mais distante dos dez milhões de empregos que Lula tinha prometido durante a campanha eleitoral de 2002. Na semana passada, um deputado do PT esclareceu que aquele número de dez milhões tenha sido apenas simbólico, uma metáfora para o crescimento geral (que ainda não aconteceu).

Em cima de tudo isso, mais fracassos dos projetos do governo enchem os jornais. Há muitos casos em que vereadores e outros servidores públicos ficam com o dinheiro dos projetos como "fome zero" e "bolsa escola", invés de distribuí-lo nas comunidades carentes. E assim, quase qualquer tentativa de corrigir as injustiças sociais fracassa diante da corrupção e da mentalidade egoista de "ser esperto".

A economia também não manda sinais positivos para Brasília. O "espetácula do crescimento", anunciado tantas vezes pelo presidente, não mostra vontade de começar, com a exceção dos números de desempregados, que vivem batendo récordes. O governo aposta nas exportações como salvação e fica feliz com os casos de vaca louca na Europa e da gripe do frango na Ásia, que aumentam a procura pela carne brasileira nos mercados internacionais. Enquanto isso, a renda média dos trabalhadores brasileiros não pára de cair, e na indústria perdem-se dezenas de milhares de empregos. Pior ainda que o Fed, o banco central dos Estados Unidos, "ameaçou" aumentar os juros, o que afetaria o endividado Brasil pesadamente. O país depende do afluxo de capital estrangeiro para pagar a dívida externa, pagamento que tem que ser feito em dólares. Com juros mais altos nos Estados Unidos, os investidores tirariam capital do mercado brasileiro para investí-lo no mercado norte-americano.

Mas como tudo isso ainda não bastasse, Lula ajuda a destruir a própria popularidade com ações bem questionáveis. O presidente precisa, em tempos tão ruins, gastar 3,5 milhões de Reias para reformar a churrasqueira presidencial? É necessário comprar um novo avião presidencial, que custa 167 milhões de Reais, mesmo que já tivessem gastado uma fortuna para modernizar o antigo avião, há pouco tempo atrás, pela administração Fernando Henrique Cardoso? E a primeira dama Marisa, que, desde a posse do marido, só vive usando vestidos caríssimos, até agora não cumpriu a promessa de doar, aos cofres públicos, as jóias que ela ganhou numa visita oficial.

E por que Lula mandou plantar, nos jardins da sua residencia na Granja do Torto e do Palácio da Alvorada, sede presidencial em Brasília, estrelas vermelhas, símbolo do seu partido, o PT? Uma estrela vermelha justamente em pleno "abril vermelho", como o Movimento Sem Terra (MST) chamou esse mês cheio de invasões de terrenos, fazendas e edifícios públicos. O governo parece estar incapaz de reagir às invasões e à violência em torno disso. Além disso, a reforma agrária, uma das colunas da campanha eleitoral do PT e promessa sagrada feita pelo novo presidente, não sai da gaveta presidencial. Ele prometeu que a reforma será feita nos termos das leis existentes e conforme a constituição brasileira. Para um presidente que se diz democrata, isso deveria ser evidente.

Só os "velhos inimigos da classe trabalhadora" parecem estar bem felizes com a política de Lula. Não só o presidente do Banco Mundial, Wolfensohn, parabenizou o ex-socialista e ex-líder sindical Lula por sua política monetária tão conservadora. O Fundo Monetário Internacional (FMI), a administração do presidente norte-americano Bush e a bolsa de valores, a Wall Street, também elogiaram o presidente brasileiro. E parte da opinião pública no Brasil ficou muito contente em ler que Lula foi incluido na lista das "100 pessoas mais influentes do mundo", publicado pela revista norte-americana "Time". Nela, o presidente encontra-se, entre outros, ao lado do astro de golfe Tiger Woods e do jogador inglês David Beckham. O profeta vale sempre mais lá fora do que no próprio país.

Nada de boas notícias, e, conseqüentemente, o astral do povo brasileiro parece estar baixo. Assim dá para entender uma recente pesquisa, que indica que quarenta e cinco por cento da população preferiam um governo militar, se isso resolvesse os grandes problemas sociais, económicos e políticos do país.

Mas quem conhece os brasileiros, sabe, que a esperança é a última a morrer. Olhem para mim, grita o presidente, até eu consegui subir na vida. Mesmo que minha mãe tivesse nascida analfabeta.

Texto + Fotos: Thomas Milz

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