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Brasil: A cidade do peixe seco
450 anos de São Paulo de Piratininga

"A quarta vila na capitania de São Vicente é Piratininga, que está dez a doze léguas pelo sertão e terra a dentro. Vão lá por umas serras tão altas que dificultosamente podem subir nenhuns animais, e os homens sobem com trabalho e às vêzes de gatinhas por não despenharem-se, e por ser o caminho tão mau e ter ruim serventia padecem os moradores e os nossos grandes trabalhos."

Assim escreveu o padre José de Anchieta em sua Informação de 1585. Foi ele que, junto com Manuel da Nóbrega, tinha fundado, no dia 25 de janeiro do ano 1554, a pequena escola de jesuítas.

Até então, apenas três povoações tinham a categoria de vila: São Vincente, Santos e Santo André da Borda do Campo. "Piratininga – peixe seco" era o nome da região, chamada assim pelos índios tupiniquins, que, na época, povoavam a área da atual cidade de São Paulo. Com o fim das chuvas de verão, os canais dos rios Tamanduateí e Tietê formavam lagoas, que esvaziavam e, assim, deixavam os peixes secarem ao sol.

Ao redor da escola de jesuítas, formava-se uma pequena vila, habitada por europeus de vários países, índios e caboclos. Falava-se, até o século XIX, uma mistura do tupi e do português. Mas foi este "arraial de sertanistas", isolado do resto da colônia portuguesa pelas montanhas quase intranspassáveis e pelo preconceito de ser "a terra dos preguiçosos", devido à pobreza da vila, que marcou uma nova fase no processo de povoamento do novo mundo pelos portugueses, que, até então, só se localizavam no litoral brasileiro. Daqui saíram, no século XVII, as expedições dos "bandeirantes", que, na busca de ouro, diamantes e escravos indígenas, conquistaram o interior do Brasil. Até hoje, não se sabe se foi o espírito de aventureiro ou a pobreza tão chocante que fez com que muitos dos habitantes partissem.

Com o achado de ouro e de diamantes em Minas Gerais, o eixo econômico da colônia se deslocava para o sudeste. Em 1763, a capital foi transferida de Salvador da Bahia para o Rio de Janeiro, e São Paulo de Piratininga, que, no ano 1711 foi elevada à categoria de cidade, se transformou num ponto principal para o abastecimento da população mineira.

Criava-se gado, cavalos e bois, plantava-se milho, feijão e arroz. Mas apenas com a abertura da "Calçada da Lorena", da primeira estrada de pedras ligando São Paulo ao litoral da região de Santos, em 1790, o comércio aumentava significativamente e dava mais importância a São Paulo. Ainda mais quando, no ano 1808, os portos brasileiros foram abertos para o comércio internacional, em decorrência à fuga da corte portuguesa para o Rio de Janeiro.

Foi em São Paulo, no atual bairro do Ipiranga, que Dom Pedro declarou, em 1822, a independência do Brasil. E com a criação da Academia de Direito, seis anos depois, o grande desenvolvimento cultural da cidade começou. São Paulo se tornou uma cidade moderna, onde as últimas inovações da tecnologia foram implantadas rapidamente, como a iluminação pública em 1841 e as estradas de ferro, no ano 1865. As terras fértis do estado atraíram as plantações de café, e, no fim do século XIX, São Paulo dominou o mercado mundial. O café trouxe muito dinheiro para os cofres da cidade, e ela se transformou numa das mais lindas das Américas, situada numa terra verde de um clima agradável, quase europeu, diferente do litoral quente e húmido. Inúmeros rios passavam pelos vales desta cidade arborizadíssima. Viajantes europeus da época sentiam-se realmente "em casa".

Com o fim do tráfico de escravos entre a África e o Brasil, no ano 1852, grandes contingentes de escravos foram transferidos do nordeste brasileiro para o sudeste. Foram estes deslocamentos que causavam muitas rebeliões e fugas em massas de escravos e que, finalmente, levaram, em 1888, ao fim da escravidão.

Para substituir os escravos, o governo paulista financiava a vinda de imigrantes europeus, que davam um crescimento espetacular à cidade. Entre 1890 e 1930, mais de dois milhões de imigrantes chegavam no porto de Santos.

Junto com essa "europeização" dos habitantes, a cidade começou a derrubar seus traços portugueses: copiando os projetos de urbanização de Paris, construiam-se grandes avenidas, e seguindo os modelos dos parques de Londres, as velhas árvores da cidade foram cortadas para serem substutuidas pela grama curta tipo "inglesa". Depois dos europeus, vieram japoneses e chineses, e com o crescimento industrial dos anos 30, 40 e 50, os brasileiros das regiões mais pobres, principalmente do nordeste brasileiro. Assim, a pequena cidade de São Paulo de Piratininga, que, em 1870 contava apenas uns 20.000 habitantes, aproxima-se, hoje em dia, das doze milhões - sem contar os municípios da "grande São Paulo", que somam mais cerca de seis milhões de habitantes - formando, assim, a quarta maior cidade do mundo e a economia mais forte de toda a América do sul.

Durante os 450 anos da sua história, a cidade se transformou de uma pequena vila isolada nas montanhas numa área enorme coberta de pedras e concreto, de prédios altos e condomínios fechados, de rios poluidíssimos, de bairros erguídos sem nemhum tipo de planejamento, com mais de dois milhões de pessoas vivendo em favelas. De avenidas entupidas de carros, de engarrafamentos que chegam, no horário de pico, a 100 quilômetros por dia. Os rios da cidade acabaram, viraram avenidas ou esgoto. Não têm nem mais peixe seco...

Mas a cidade representa, também, uma vida cultural tão rica como nemhuma outro cidade da américa do sul, com 228 cinemas, 35 bibliotecas públicas e 85 casas de shows. E provavelmente nemhuma outra cidade do mundo têm tantas pessoas do mundo inteiro, ou, como diz Caetano Veloso, "São Paulo é como o mundo todo". Um pouco da Europa, um pouco de Nova York, um pouco da África e um pouco da Ásia.

Há 5,6 milhões de veículos , que circulam com uma média de 23 km/h pelas 45.000 ruas da "cidade da garoa". Essas ruas somam uma extensão total de 15.000 quilômetros onde ocorrem 152.606 acidentes por ano. O metrô transporta 2,6 milhões de pessoas por dia, a rede de ônibus conta com 14.400 veículos. Os paulistanos consomen 5,6 bilhões de litros de água encanada e comem 1,4 milhões de pizzas por dia. Os paulistanos, segundo o resto do Brasil, andam estressados demais e só pensam em negócios.

Ou, como disse o apresentador da rede Globo, Luciano Huck, "São Paulo é uma cidade tão estressada que até feriado cai no domingo."

Texto + Fotos: Thomas Milz print version  


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