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caiman.de novembro 2000
brasilien: são paulo

Sobre as zonas de luz vermelha de São Paulo – a "boca do lixo”

Vocês estão em São Paulo e sentem um desejo profundo de se aventurar na selva de pedras, de maneira pecaminosa? A decadência mortal dá vontade em vocês, e o perigo tanta curiosidade? Parabéns, vocês estão no lugar certo. Esqueçam do Rio de Janeiro, de Copacabana com a zona de luz vermelha da Praça do Lido – o verdadeiro sábio prefere o bizarro mundo de entretenimento de Sampa, onde o brilho muitas vezes fica ao lado da miséria.

Quem está de carteira cheia, procura os lugares de nível elevado como a Rua Augusta, nos bairros Consolação e Bela Vista, onde se encontram saunas heterossexuais bem caras com prostitutas, também caras. "As mulheres da Rua Augusta são as mais lindas do Brasil.” Conta um homen de negócios de Madri, que vive há cinco anos em Sampa, dando assim um resumo das suas pesquisas na megalopolis. "Mas tem que ter o dinheirinho. Sem isso não funciona.”
Também se acham nesta região saunas gays, como a "Holyday”, uma das saunas mais antigas de São Paulo.

Outro lugar chique é a Av. Indianópolis, nos bairros Indianópolis, Ibirapuera e Planalto Paulista. Lá não passam Fusca ou Brasília, só os boyzinhos ou mauricínhos com carrão tipo BMW ou Vectra. Eles pagam bem, até 40 Reais para transar no drive ou 50 Reais num Motel, preferencialmente transando com travestis. Mas eles podem ser perigosos, até "matam travesti para brincar”.

"O negocio mais fácil para ganhar dinheiro no Brasil é com sexo. E quem hoje em dia ganha mais, são os travestis ativos. Quase 90% dos fregueses são passivos, vítimas de uma criação bem machista,” conta Adriano, de 27 anos, que faz divulgação para um cinema pornográfico na ”boca do lixo”, região mais pecaminosa de São Paulo.

A "boca do lixo” localiza-se no centro de São Paulo, ao redor da Praça da República, onde antigamente estavam as residências da alta sociedade de São Paulo. Os guias turisticos advertem a não andar por aí à noite. Ladrões, traficantes, cafetões, as ruas sujas cheia de lixo – a região merece seu nome: "boca do lixo”. Mas ao mesmo tempo é um lugar fascinante, onde se acha "toda coisa ruim”:

As putarias, os cinemas pornográficos, as bancas cheias de revistas pornô, as boates, sexo ao vivo no palco, os travestis e os traficantes de drogas da "cracolândia”.

A "cracolândia” é a região nordeste da Praça da República, dividida pelas várias gangues de traficantes como os nigerianos da Rua Guaianazes, que falam no seu dialeto de tribo africana. As vezes o DENARC (o Departamento de Narcóticos) aparece, mas normalmente a polícia não mexe muito nos negócios da "boca”.

Aqui vive e trabalha Adriano. Ele mesmo se chama "gay comum que se monta de mulher”. O nome feminino dele é "Salete Dum Dum”. Mas ele não é transexual nem travesti.
"Os transexuais se sentem verdadeiramente como uma mulher e por isso vivem essa realidade o dia inteiro. Os travestis são siliconisados e se vestem de mulher só para faturar. Depois botam roupa de homem e vão para casa.”

um bairro
fora da norma

Dentro do cinema, Salete é a mafiosa que manda em tudo e que toma conta para que o lugar não seja freqüentado somente por gays. Eles tem seus próprios cinemas exclusivamente gay como o "Estúdio Aurora” e o "Cine República”. A "boca do lixo” é cheia de cinemas de vários tipos, a maioria localizados na Av. São João e na Av. Ipiranga, região que ficou famosa pela música "Sampa” de Caetano Veloso:

"Alguma coisa acontece no meu coração, que só quando cruza a Ipiranga e a Avenida São João, é que quando cheguei por aqui, eu nada entendi...”

Além dos cinemas gays, tem os especializados em travestis como o "Cine América”, o "Arte Palácio” e o "Palácio dos Cinemas”. Lá as travestis cobram 5 Reais para fazer sexo oral e 10 Reais completo, mas com tempo limitado de 5 minutos.

O "Cine Las Vegas”, o "Cine Saci”, o "Cine Globo” e o "Cine Windsor” são cinemas onde homens ficam rodando na sala, procurando alguém para fazer sexo dentro do cinema enquanto estão assistindo pornos heterosexuais.

Raramente encontra-se mulheres neste mundo dos homens. Uma exceção é o "Cine Cairo”, onde tem prostitutas de 17 Reais.

O "Cine Texas” é o único que obedece a lei de "Atentado violento ao pudor”, pois proíbe transar dentro de um cinema.

Além disso, esta lei proíbe transar ou ficar pelado na rua, como também proíbe mijar publicamente. Baseado nesta lei, a polícia militar age agressivamente contra os travestis pelados da Av. Indianápolis. Chegando lá, eles batem nelas, pegam o dinheiro e levam todo mundo preso. No outro dia, o cafetão ou a cafetina delas aparece na delegacia para solta-las.

As ruas da "boca do lixo” são cafetinadas, a prostituta ou o travesti tem que pagar por seu lugar na rua e recebe em troca proteção. A região é dividida entre lugares de prostitutas, como a Rua Sta. Ifigênia, a Av. Ipiranga e a Av. Rio Branco, e os de travestis, como a Rua Amarel Gurgel. As boates com show de striptease o sexo ao vivo se localizam na Av. Ipiranga, na Rua Nestor Pestana ou na Rua Bento Freitas.

tudo
depende da
perspectiva
pa`rriba


Aqui na "boca” se vê coisas inacreditáveis, que não se pode imaginar,” conta Salete. "As vezes chega um casal no cinema. Os gaviões, que sempre ficam esperando na entrada da sala, se sentam ao lado do casal e começam a mexer com eles. Os maridos gostam de ver sua esposas sendo comidas pelos gaviões.”

"Ao lado da sala do cinema temos dois "dark-rooms”. Lá todo mundo está um em cima do outro, fazendo sexo anal, oral ou vaginal. Também tem muita gente que apenas quer fumar um baseado ou cheirar.”

No futuro, Salete quer começar a estudar Turismo ou apresentar um show na televisão. Uma rede já mostrou interesse nele, mas Salete ainda vive sua vida de gay meio escondido. O pai dele é delegado da polícia.
"Deve saber que sou gay, mas nunca falamos sobre isso”

"Trabalhar na "boca do lixo” é uma viagem. Muitos fregueses me contam de suas vidas, problemas, desemprego, chorando no meu colo e me colocam no papel de suas namoradas ou esposas. Ontem um freguês passivo me chamou de "Márcia”, fingindo que eu era a esposa dele que não dava mas para ele. Que estória mais absurda.”

Mas essa é só uma das estórias do "boca do lixo”.

Texto: Tom Milz


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