caiman.de 09/2004

Brasil: Cachorro quente com Elza

Uma tensão fumacenta voa pelo galpão. Os holfotes se movimentam silenciosamente, seguindo, em círculos, algum plano em segredo. Os amplificadores cantam baixinho suas melodies ciciadas em espera. Estamos esperando tensamente. Ouvímos falar muito da "voz do século", da velha diva com o rosto recautuchado. A banda entra no palco e enfia um batuque serrante nos ouvidos da platéia. E lá vem ELA...

"Redonda" é a primeira palavra que chega na mente ao vé-la. De vestido brilhante que desvia toda atenção para as nádegas. Será que elas são de verdade, na idade dela? Será que o amante jovenzinho faça com que a Elza, nascida em 1937 numa favela do Rio, ainda estivesse com a tão boa forma?

Como se ela tivesse lido nossos pensamentos, ela começa com a música "A carne", cantando com aquela voz roca, diabólica que tão gritante, a famosa moto-serra que corta os tubos do seu ouvido. Uma metralhadora que espalha os sons em cima da platéia bocaberta, e ela dança o samba mais rápido que a pulsação das asas de um beija-flor.

Não dá pra ver qualquer emoção no rosto dela. Mas como com essa face, que parece uma máscara? Os ossos da buchecha botoxados que nem uma bola de pingue-pongue, a boca tão esticada que nem uma corda no campeonato escocês de puxa-corda, e com os olhos enterrados embaixo de câmadas de maquiagem grossa. Elza flerta com os músicos, que, somando todos, quase chegam à mesma idade como ela. Ela canta clássicos da sua carreira de cinquenta ano, dos tempos quando cantava com Louis Armstrong, tanto tempo atrás...

Casou com doze anos, teve o primeiro filho com treze, e com dezoito, ficou viúva pela primeira vez. Trabalhava numa fábrica de sabão, para poder sobreviver. Até que foi descoberta e virou uma estrela. Nos anos sessenta, casou-se com Garrincha e ajudava ele a se afundar bebendo e a gastar toda a grana dele.

Óbvio que essas coisas deixam marcas. Mas sua voz ainda é a mesma, talvez até melhor do que nunca. Foi escolhida, uns anos atrás, como a "voz do século", por uma revista estadunidense. Ao mesmo tempo, parecia que a carreira dela já tinha terminada definitivamente. Em 1997, foi lançada a biografia dela "Cantando para não enlouquecer".

Quando saimos, depois de noventa minutos de fogos-audiovisuais, de Elza-Total, um zumbido alto toma possessão dos nossos ouvidos. Lá fora, um vento noturno de um frio tão paulistano está a nossa espera. Enquanto o táxi não vem, um cachorro quente amolece a noite dura e incomfortável de inverno.

De uma porta ao lado vem Elza, cercada de uns guarda-costas. Um casaco de pele esquenta seus ombros. Ela pára na nossa frente: "Hm, esse cachorrro quente parece muito bom..." Novamente aquela voz roca. "Quer....?" oferece um amigo nosso, colocando o cachorro tão gostoso pertinho do nariz dela. Ela pensa por um instante, e só fala um "Não, obrigada... boa noite, queridos", levanta a mão de despedida e some na noite preta.

Texto: Tom Milz