caiman.de agosto/2002

Fitzcarraldo, Hollywood e o resto da selva inteira
O 37° Festival do „Boi-Bumbá“ em Parantins / Amazonas

„Seu corpo consiste em 70% de água. Por isso, aqui é seu lugar!“
Quem sobrevoa a selva amazônica entende essa propaganda. Há água por todos os lados, as terras cobertas de selva são apenas ilhas, cercadas por mil rios, lagoas e lagunas. E no meio deste mundo verde-marrom-preto, onde se imagina, depois do consumo de muitos filmes "El-Dorado", existir somente serpentes gigantes e amazonas selvagens, é o lugar de um dos maiores e mais brilhantes festivais folclóricos do Brasil: o "Boi-Bumbá" de Parintins.

A imagem do Amazonas, na minha cabeça, é basicamente influenciada por duas lembranças da minha infância, as duas fantasias de onipotência de dois europeus: a primeira é o filme "Fitzcarraldo", de Werner Herzog, com Klaus Kinski no papel de um completo maluco com o interessante nome Brian Sweeny Fitzgerald, chamado pelos índios "Fitzcarraldo". Ele compra, com o dinheiro juntado por sua namorada Molly, dona de um bordel, um barco e navega pelo Amazonas, rio acima, para construir, no meio da selva, um teatro de ópera. E sonha com a sua inauguração pelo grande Caruso.

A outra lembrança é uma das histórias incríveis que meu pai conta dos seus velhos tempos no Brasil. Segundo essa história, ele atravessou nadando o Rio Paraná, depois de ter jogado a metade de um porco no rio, para saber se havia piranhas ou não. Na minha cabeça de criança confundi o Paraná com o Amazonas e, assim, olho para o maior rio deste planeta pensando: nossa, que extraordinária condição física tinha meu pai! Nadar contra essa correnteza!

Aliás, os teatros de ópera de nossos tempos modernos têm dimensões bem maiores que aqueles nos quais Fitzcarraldo pensava. O Bumbódromo, arena de 40.000 pessoas, está vibrando sob a batucada de centenas de tambores e sob os gritos dos espectadores, vestidos de azul ou vermelho, dependendo a que bloco eles pertencem – o azul do “Caprichoso” ou o encarnado, o vermelho do “Garantido”. A cidade inteira está dividida entre essas duas cores: os torcedores do „Garantido“ pintaram suas casas de vermelho e somente vestem roupa nesta cor, enquanto os “Caprichosos” só aceitam o azul. Até o Bumbódromo é dividido entre essas cores dos „bumbás“ que lutam, junto aos 5.000 atores e músicos que formam cada “bumbá”, para ganhar o título do melhor boi. Até já aconteceram brigas violentas entre os torcedores dos dois “bumbás” e, também, nas famílias divididas entre azul e vermelho. E ai de quem entra de camisa azul na torcida do „Garantido“.

Foram imigrantes do Maranhão que trouxeram, durante a belle époque da borracha no último terço do século XIX, a tradição do “Bumba-meu-boi” para a região da selva amazônica. Mas o "Boi-Bumbá" de hoje quase não tem mais nada a ver com essa tradição antiga: os instrumentos tradicionais foram trocados pelos modernos sintezisers e a música mudou para uma variação amazônica de Axé. O que deveria ter pensado o grande e agora já bastante velho Caruso sobre tudo isso?

O grande projeto de Fitzcarraldo era uma fazenda de borracha, para financiar seu teatro de ópera. A história real de Parintins e de toda a região do Amazonas também é ligada à borracha. Depois da queda do monopólio brasileiro pelos ingleses chega ao fim a curta era da borracha e a população da cidade de Parintins, localizada no arquipélago de Tupinambarana, se dedica à plantação de juta. Dessa matéria, produzem os sacos de juta para o café brasileiro. Quando foi mudada a lei que dispensou que todo o café tinha que ser empacotado em sacos de juta, logo acabaram, também, as plantações. Mas com o festival do „Boi-Bumbá“, estabelecido trinta e sete anos atrás, o povo de Parintins achou um novo caminho para salvar sua cidade do esquecimento e manter a maioria de seus jovens na cidade. Pois muitos procuram sua sorte nas grandes cidades, como Manaus, situada a 500 km rio acima, ou Belém, a 1500 km rio abaixo.

E assim, muitos jovens participam das apresentações dos dois „bumbás“, que são realizadas no último fim de semana de junho, em três noites seguidas. Cada noite, três horas de show de cada „bumbá“. E cada noite um programa novo, com histórias diferentes, contando, em clima de catarse, da luta do índio-homem com a natureza; das forças antagônicas que se chocam; das virgens que foram comidas pelas serpentes gigantes ou foram roubadas pelas aves de rapina; das formigas enormes que atacam os índios que lutam com flechas; da Cunhã Poranga, a mulher mais linda da tribo e, tudo isso, sob uma trilha sonora composta exclusivamente para este evento e apresentada ao vivo por uma banda e uma centena de tambores, que acompanham as figuras gigantescas de quase vinte metros de altura, que cospem fogo e se transformam de um índio em uma anaconda. E, como parte mais importante de tudo, como santuário, os bois, o branco do "Garantido" e o preto do "Caprichoso". De maneira impressionante e brava eles adentram, no clímax da apresentação, a arena, sob os gritos da própria torcida.

Enquanto um "bumbá" faz sua apresentação, o outro tem que permanecer em silêncio absoluto, para não perder pontos. Pois os três shows de cada "bumbá" serão avaliados pelo júri que, no fim da última noite, anunciará o vencedor deste ano, o melhor "bumbá".

Quem quiser assistir essa mistura de carnaval, "Bumba-meu-boi", Hollywood e chanchada dos anos cinqüenta tem que pegar um avião ou viajar uns dias de barco pelo Amazonas. Mais de trezentos barcos estão ancorados ao lado da ilha de Parintins, com mais de 35.000 visitantes que moram, durante uns dias, nas cabinas ou, simplesmente, colocaram suas redes a bordo. Pois o que falta em Parintins são hotéis e pousadas baratas para tanta gente.

Parece absurdo e, ao mesmo tempo, fascinante encontrar, no meio da selva, um tal fogo de artifício de idéias, brincadeiras, técnicas. Quase tão absurdo como se um maluco tivesse tentando puxar um barco pela selva. Mas muitos dos engenheiros e técnicos que preparam as figuras aprenderam sua arte nos blocos de samba no Rio de Janeiro e, agora, trazem tudo para cá, na selva amazônica, para encenar as lutas antagônicas entre as coloridas amazonas e as serpentes gigantes, entre aves monstruosas e formigas enormes.

E eu me pergunto, quem seria, finalmente, o mais maluco: aquele, que puxa um barco pela selva a fim de construir um teatro de ópera, ou o outro que quer atravessar a nado o Amazonas? Ou, como terceira opção, uma cidade inteira, situada numa ilha num dos lugares mais remotos do mundo, cuja população pinta, por causa de um boi, suas casa de azul ou vermelho, e cria, em cima de tudo isso, um espectáculo hollywoodiano para festejar toda essa locura?

Na minha cabeça, a incrível história de Fitzcarraldo se mistura com aquela de "Aguirre", outra grande obra amazônica de Werner Herzog e Klaus Kinski. E, no meio de tudo isso, meu pai, jogando a metade de um porco no rio, hesitando um instante antes de, finalmente, se jogar mesmo na água. "Nada de sangue, ótimo sinal" murmura ainda hoje. Uma vez na vida, atravessar o Amazonas - a mergulhar, isso seria realmente uma coisa extraordinária.

Ou como costuma dizer Klaus Kinski, o real Brian Sweeny "Fitzcarraldo": "Cada um por si e Deus contra todos!"

Thomas Milz

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