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Brasil: Novalgina, Tigresas e meninos prateados


Acordo com o barulho de patinhas andando pelo teto em cima da minha cama. Sabendo que meus amigos ficariam com nojo de diversos animais, falei que era apenas um pequeno e pacato cassaco que mora no teto. Desde ontem à noite sei que isso não é verdade. Mas as vezes é melhor calar. Um olhar pela janela, e o sol brilhante arde nos olhos sonolentos. As havaianas nos pés protegem da areia quente no caminho. Estou indo comprar pãezinhos. Encontro muitas crianças, andando de bicicletas grandes demais para elas, sem sapatos, sem camisa. Estranho que nunca têm escola... Entro na loja com uma placa enorme dizendo "Padaria". Com fome. "A gente não trabalha mais com pão!" a vendedora me explica. Bom dia, Fortaleza, penso, e começo a caminhar em direção ao supermercado. Longe daqui.

Caminho de areia. Passo por uma ponte quase completamente destruída pela chuva, por um Motel com uma placa: "Entrada por trás." Outra placa, indicando a direção para o aeroporto, mostra também como chegar no próximo McDonalds. Por aqui têm umas ligações bem esquisitas.

Cortaram todas as árvores de uma reserva ecológica perto do famoso "Beach Park", para depois construir um condomínio super-luxuoso com um murão enorme. Vista maravilhosa para as praias maravilhosas. Quem deu a autorização para isso? Quando chegamos, meio-dia, numa dessas praias, escalamos por montanhas de lixo. "A nova administração ainda está com problemas, mas até chegar a alta estação vai estar tudo limpinho" promete um morador. Por onde se olha, há manchas marrons na água. Segundo se diz, são apenas algas.

Outros falam que são os resíduos das favelas que ficam por perto. Ou talvez apenas vazamentos dos enormes tanques de petróleo da Petrobrás, que se erigiam perto daqui para o céu. De alta-vozes distorcidas de uma barraca de praia escapa uma música da Banda Kalorão. "Ela toma Novalgina" canta o refrão, mas todo mundo entende "Ela toma na vagina". Bom, isso foi intentional, com certeza.

A vista para o céu, pequenas nuvens no horizonte, iluminadas de cor-de-laranja e vermelho. Quero montar a máquina fotográfica para tirar uma foto do céu inteiro, com o mar e as dunas como margem.

Espreito a história de um amigo, e não sei se eu posso acreditar no que ele fala sobre o povo do interior que, pela primeira vez, ao ver o mar enche garrafas com a água do mar para depois esvaziá-las nos lagos da terra deles e ficar esperando a água do lago fazer ondas...

Um outro amigo conta os acontecimentos da noite passada. Às quatro da manhã, alguém tentou roubar a casa dele, localizada num subúrbio longe do centro da cidade. Deu um tiro no guarda. Chamaram logo a polícia, que chegou só três horas depois. Eles estavam sem o mapa da cidade, o policial justificou a demora. Estamos voltando para casa, de ônibus, o sol se pôe, e as primeiras ondas de mosquitos chegam das lagoas. Atrás das dunas, a água se junta, e embaixo das dunas há grandes lagos subterrâneos de água potavel, mas uma grande empresa já bombeou quase toda essa água, que agora está se esgotando. Assim, os habitantes da terra têm que cavar seus poços cada vez mais profundos, atrás da água.

Chegamos em casa. A televisão ligada. Na TV Diário está passando João Inácio Júnior, apresentador do João Inácio Show. Outrora careca, hoje com uma das perucas mais horriveis do nordeste. As Tigresas, cinco mulheres fantasiadas de tigresas, quase nuas, dançam enquanto João Inácio abre o palco para as apresentações dos talentos artísticos da região.

Há também um júri composto de pessoas importantes, entre elas um famoso cabeleireiro gay de Fortaleza, vestido ridicularmente com uma roupa feminina. Roberta, uma das Tigresas, sofreu, um tempo atrás, um acidente bem esquisito. Durante as gravações para um programa, ela estava com o macaquinho Michael no colo. Michael gostou tanto dela que lutou com o domador que tentou tirá-lo da Roberta. Agarrou nela e meteu a cara no seu bumbum. Mordeu tanto que ela teve que fazer uma cirurgia plástica e passou um mês sem poder trabalhar.

Nós vamos para a Praia da Iracema, o centro de lazer de Fortaleza, famoso pelo Pirata-Bar, onde acontece "a segunda-feira mais animada do Brasil" e onde, com muito Forró, homens europeus ou argentinos encontram as belezas femininas da juventude de Fortaleza. Não só o centro, mais também a Praia de Iracema, perderam, nos últimos anos, muito do seu antigo charme.

Onde uns anos atrás todo mundo se encontrou para tomar um chopp e escutar as pérolas da música brasileira tocadas ao vivo, agora é o lugar dos drogados e prostitutas. Numa rua ao lado encontramos um restaurante agradável, de onde podemos observar cinco meninos pintados inteiramente de tinta prateada. Só vestem sunga e até os cabelos brilham de tanta prata. Andam de mesa em mesa, pedindo esmolas de mão abertas, mas os garçons os expulsam do lugar. Dá para ver o medo e o susto nos olhos das pessoas quando um dos meninos se aproxima.

"Uns meses atrás tinha um grupo de artistas franceses na cidade," um amigo explica, "que se pintaram de prata e brincaram de estátua nas ruas, dando susto nas pessoas e fazendo muito dinheiro. Desde então, essas crianças tentam copiá-los, pintam o corpo inteiro de tinta prateada e pedem esmolas. Quanto tempo eles vão sobreviver a isso? Quem sabe?"

De volta da cidade, entramos para tomar uma saideira no pequeno barzinho na esquina, onde tocam as músicas da banda "Calcinha Preta". "Mestre da Batida" se chama o bar. Que promessa. Até "Batida de cebola" tem no cardápio e chama nossa atenção. Como já se passaram vinte minutos depois de pedirmos, resolvemos perguntar ao garçon. "O batida de cebola hoje não tem, pois esgotaram os morangos." Suprendidos de tal forma, voltamos para casa, onde a família de ratinhos no teto da nossa casa já espera pela gente.

Texto + Fotos: Thomas Milz print version  

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