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Brasil: O curto vôo da águia dourada

Tudo foi feito para a grande volta da escola de samba mais famosa do Rio de Janeiro. Há trinta e quarto anos, a Portela não tem conquistado o título de campeã do "Grupo Especial", concurso onde as quatorze melhores escolas se enfrentam. Para este ano, as expectativas eram altíssimas, e até chamaram os bons espiritos dos velhos tempos. E pareceu que tudo daria certo...

A última quarta-feira antes do carnaval. Só mais quatro dias até a entrada da Portela no Sambódromo, a arena onde há vinte anos as escolas de samba do Rio de Janeiro apresentam seus desfiles. No terreno da Portela, no bairro carioca Oswaldo Cruz, nota-se uma mistura de tensão e muita expectativa, vibrando no ar.


Este ano, com certeza, eles vão participar do desfile das campeãs, das seis melhores escolas de 2004, no sábado após do carnaval. Ou até virar campeão.

A escola tradicional esteve bem presente nas mídias nos últimos meses. Principalmente por causa do enorme sucesso de um dos seus membros: Zeca Pagodinho. O cantor vive o melhor momento de sua carreira, com vendas altíssimas de seu CD e DVD, "Acústico MTV".

Neste disco, ele foi acompanhado pelos músicos da Velha Guarda da Portela. Umas semanas atrás, Zeca foi até convidado pelo presidente Lula a participar de um churrasco na Granja do Torto, residência presidencial, em Brasília. Juntos asistiram ao DVD do cantor, que o presidente chamou de "o melhor DVD que eu já assisti". E seus ministros, também convidados para assistirem a obra prima juntos, confirmaram o julgo presidencial.

Enquanto a bateria está se aquecendo, diretores e membros da Velha Guarda tomam umas cervejas e discutem os últimos preparativos. Monarco, compositor de sambas famosíssimos e um dos velhos mestres da escola, e Marquinhos, também compositor de sambas e cantor da Portela, mostram alto-confiança. "A bateria da Mangueira é boa, com certeza," diz Marquinhos sobre uma das mais fortes concorrentes, "mas espere até você ouvir a bateria da Portela entrando na avenida!"

A Portela é a segunda escola mais antiga do Rio. Ela foi fundada no dia 11 de abril do ano de 1923, no bairro de Madureira. Anos atrás, mudaram a sede da escola para um terreno no bairro Oswaldo Cruz, onde foi construido um galpão e um espaço enorme ao ar livre, onde milhares de pessoas se reuniram para participar dos ensaios da escola. Como hoje, no último ensaio do carnaval 2004.

Tia Doca também está aqui. Há mais de trinta anos, a grande voz do pagode é membro da Portela. Começou carregando a corda de segurança, que protegia os desfilantes da escola durante as apresentações."Já fui tudo na Portela, diretora, compositora, e agora sou membro da Velha Guarda."

Em 1982, Tia Doca ficou conhecida com o lançamento do disco "O canto dos escravos", no qual ela, junto com Clementina de Jesus e Geraldo Filme, apresenta música afro-brasileira dos tempos da escravidão. "Fiquei sabendo que se pode comprar meu novo disco até na França. Mas nem eu tenho uma cópia. Fiz as gravações sem ter assinado um contrato. Depois a gravadora me disse que o disco não deu dinheiro nenhum. Recebi apena 30 Reais, pelo backing vocal que fiz no meu próprio disco. Dá pra`acreditar numa coisa dessa, hein?!"

A arma principal da Portela para conquistar o campeonato é Maria das Dores Rodrigues, a Dodô. Participou de todas as vinte e umas conquistas da Portela, e neste ano, com oitenta e quatro anos de idade, ela quer ganhar seu vigésimo segundo título. Ela vai, como Madrinha da bateria, entrar no Sambódromo na frente da Portela.

"Os sambas de hoje em dia estão mais corridos. Antigamente o compasso era mais lento, dava para sambar mais."

Bom para Dodô que a Portela reativou, para o atual desfile, um samba antigo. Implorando as velhas mágias para voltar ao trono, escolheram reapresentar o desfile do ano 1970, "Lendas e Mistérios da Amazônia", com o qual foi campeã pela última vez. São várias fábulas amazonenses, como a da paixão entre o sol e a lua, que não puderam se casar. "A lua apaixonada chorou tanto, que do seu pranto nasceu rio-mar…" Do pranto da lua, surgiram as águas do rio Amazonas.

Uma outra lenda conta a história do homem-boto, que levava as moças para nadar com ele, deixando-as grávidas. Assim, há seis mulheres, grávidas de sete meses, no último carro alegórica da Portela, dançando durante todo o desfile.


O primeiro carro alegórico é dominado por uma imensa águia dourada. A águia é o símbolo da escola, e como o primeiro carro conta a lenda do Eldorado, uma cidade de ouro e diamantes, enfeitaram a águia com um brilho dourado. Como uma ameaça, solta pios, as asas enormes estendidas, prontas para voar alto. Segunda-feira, de manhã. A entrada da Portela, a última escola a desfilar no primeiro dia, era prevista para três e meia. Mas tudo atrasou. De tanto esperar, os rostos dos desfilantes mostram cansaço.

Às seis horas, com o novo dia já amanhecendo, chega, finalmente, a hora da Portela. Com Dodô na frente, cercada de fotógrafos. "Não me lembro bem em quantos carnavais já participei... Mas por que vocês querem saber tanto, tirar fotos?" ela responde aos jornalistas.

A sirene toca, sinal que a Mangueira já chegou na Apoteose, a saída da pista. Os primeiros fogos explodem em cima das cabeças dos 3.800 componentes da Portela, uma fila colorida imensa que estende-se pela Avenida Presidente Vargas, interditada para o tráfico. Durante os próximos 60 minutos, essa fila vem se desembocando na avenida do Sambódromo, chamada, também, de Marquês de Sapucaí. Cinco batidas rápidas de tambor, e a bateria começa.

Desfilando pelo Sambódromo numa única fila, a Velha Guarda empolgou a platéia. Foi reconduzida para o início da escola, logo após a comissão de frente, e não, como na maioria das escola, no final do desfile, Monarco, Tia Doca, Paulinho da Viola, Zeca Pagodinho e a cantora Marisa Monte tiraram seus chapeis brancos.

80 minutos depois, os últimos integrantes da Portela chegam à Apoteose, a grande praça na saída do Sambódromo. Alguns mostram sua insatisfação com as tribunas semi-vazias, Muita gente já foi embora. Mas o público que ficou cantou a triste história da lua apaixonada até a última batida do surdo.


Rapidamente, espalhou se a notícia de que os telespectadores da TV Globo tinham votado na Portela como melhor escola do dia, e nem as escolas do segundo dia conseguiram tirá-la desta posição. "Foi a cara da Portela" afirmou Monarco, numa primeira entrevista. "Vesti a roupa apostando tudo. Este ano, o que passou aqui foi a Portela, que não deve nada a ninguém."

E Dodô, que neste ano substituiu a apresentadora de televisão e ex-namorada de Ayrton Senna, Adriane Galisteu, de trinta anos, mostrou muito ânimo: "Se precisar, desfilo tudo de novo." No dia seguinte, um jornal escreveu que Dodô "transformou Adriane Galisteu numa lembrança de desfiles fracassados".

A mídia festejou a volta da Portela. Virou favorito para o título 2004. Assim, as expectativas para a apuração na quarta-feira de cinzas eram grandes. E até o quarto dos quarenta julgadores, a Portela ficou no primeiro lugar, empatada com o campeão de 2003, a Beija-Flor. Depois, a Portela começou a cair, tirando notas baixas no quesito "Bateria".


"Filho da Puta" foi a reação no terreno da Portela, mas também nos quesitos "Fantasias" e "Alegorias", a portela fracassou. No fim, ficou num decepcionante sétimo lugar. Nem deu para desfilar novamente no desfile das campeãs, das seis melhores escolas do ano, no sábado depois do carnaval.

E assim, a Dodô tem que esperar pelo menos mais uma ano para festejar seu vigésimo segundo título. Mas ela tem o tempo a seu lado: "Ela está ficando cada ano melhor" se diz na Portela.

Texto + Fotos: Thomas Milz print version

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