ed 11/2010 : caiman.de

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[art_1] Brasil: Urubus, inimigos e arte
A 29a Bienal em São Paulo
 
A atual Bienal foi, até então, um sucesso. Rendeu muito, pelo menos na mídia. Talvez nem tanto pela arte exposta no Pavilhão da Bienal, criado por Oscar Niemeyer - belo pavilhão que para muitos representa sempre a obra prima das bienais. Assim, depois da Bienal quase vazia de 2008, que criou principalmente muita perplexidade e apenas uma polêmica envolvendo a ação dos grafiteiros, a atual provocou várias polêmicas bem divertidas.





Foi o caso dos três urubus, que habitavam uma gaiola gigantesca no vão livre interno do pavilhão, como parte da exposição "Bandeira Branca" do artista brasileiro Nuno Ramos. Após protestos de ambientalistas e do IBAMA, um juiz decretou a retirada imediata dos animais, por considerar que "as instalações estavam inadequadas para a manutenção das aves." O artista e os organizadores protestaram, mas nada podiam fazer.

Outra obra polêmica ainda está exposta. Quem sobe pela opulenta rampa, do segundo para o terceiro andar, logo dá de cara com as dez telas gigantescas (1,5 por 2 metros) do artista pernambucano Gil Vicente. Nos desenhos de grafite, Vicente é visto apontando uma arma para os "poderosos" do mundo, entre eles o atual presidente Lula, seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan e o Papa Bento XVI. Todos "Inimigos", segundo Vicente, que assim nomeou a série feita entre 2005 e 2010.

Enquanto Vicente mata Lula com uma faca, talvez numa referência direta ao nordeste brasileiro onde quase tudo é resolvido na ‘peixeira’, as outras vítimas encaram uma pistola apontada a queima-roupa. "Quando eu fiz essa série, foi um momento de desespero, para confrontar o comodismo," diz Vicente. "Esse trabalho é fruto da minha indignação com a forma como esses caras conduzem o mundo. São todos uns ladrões sujos." No entanto, seu discurso mais forte é contra o ícone do poder eclesiástico. Gil Vicente declara que o Papa representa a maldade e o descaso com o ser humano.





As telas geraram indignação alheia, tanto da igreja católica quanto da Ordem dos Advogados do Brasil, que pediu que elas fossem retiradas da exposição. "Ainda que uma obra de arte expresse a criatividade de seu autor, deve haver determinados limites para a sua exposição pública." O que seguia era um debate sobre a liberdade da expressão, além da pergunta de um milhão: o que é arte?. Chegar ao conceito do que é e do que não é arte, nesse caso, pouco importa, o fato é que desde o mais remoto tempo histórico o homem se expressa artisticamente gozando de liberdade e servindo-se do valor estético para isso. Nesse caso, o belo é tudo que lhe causa impacto e isso não falta ao trabalho de Gil Vicente.

A organização da Bienal manteve as telas na parede, declarando que "um valor fundamental da instituição é a independência e a liberdade de expressão". "Os urubus foram retirados [desta Bienal], mas os quadros de Gil Vicente, não. (...) O meio ambiente tornou-se mais importante que a pessoa humana?", perguntou um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ora, mas o trabalho do artista é apenas com imagens... ao contrário dos animais que estavam ‘em pessoa’. Pensemos.

Outra obra problematizada foi coberta antes mesmo da abertura da Bienal. A instalação El Alma Nunca Piensa sin Imagen, do artista argentino Roberto Jacoby, mostrava uma imagem gigante da candidata a presidência Dilma Rousseff - algo inconcebível em tempos de eleição. A própria Dilma, ao visitar a Bienal, fez referências às polêmicas. Para ela, os urubus realmente estavam "estressados". "Acho que aí é uma questão de preservação do ser vivo", disse a candidata petista. Talvez agora, ao final do período eleitoral possamos ver a obra.





Sobre as telas de Gil Vicente a candidata disse que "a gente tem de entender que a obra de arte trabalha o simbólico e que as pessoas têm direito de se manifestar culturalmente. Do ponto de vista estético, é uma obra até bonita." Depois dessa declaração, a candidata tirou fotos com crianças que visitavam a exposição.

Crianças, aliás, parecem ser a maioria absoluta dos visitantes. Será que a Bienal está formando público para os museus brasileiros? Quem vai ao Pavilhão durante o dia vê muitas crianças e poucos adultos. A noite, quando se espera ver mais adultos na Bienal, o pavilhão fica bem vazio. Mas ainda da tempo - a 29a Bienal só fecha suas portas no dia 12 de dezembro. Portanto, ainda há tempo para visitá-la. E para, quem sabe, gerar mais umas polêmicas.

Texto + Fotos: Thomas Milz

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