caiman.de 11/2005


[art_2] Brasil: A planta do futuro

Os facões cantam cada vez que a cana é cortada. Com a mão esquerda, escondida numa luva de proteção, feita de couro grosso, o cortador segura o tronco, enquanto dá o golpe com a mão direita. Depois, joga a cana cortada para o lado onde avança campo-adentro. Por todos os lados, os troncos de dois metros, criando uma mata densa.



"Não queimamos a cana de propósito. Teve um incêndio. Não era para ser cortada já agora, mas alguém jogou um cigarro e tudo pegou fogo", explica Eduardo Silva Dutra, engenheiro da usina Albertina em Sertãozinho, cidade de 110,000 habitantes no oeste paulista.

Normalmente, os campos são queimados segundo um plano de queimada, que alerta a população da fumaça causada pelos incêndios. No começo da noite, põem fogo, e, em dez ou quinze minutos, as folhas da cana queimam, deixando apenas o tronco tostado.

Sertãozinho é um dos centros da indústria açucareira brasileira. Até onde o olhar pode enxergar, estende-se a cana sobre a planície. A cidade vive da produção de açúcar e álcool. 15,000 empregos diretos, e indiretamente pelo menos o dobro.


O Brasil produz 400 milhões de toneladas de cana-de-açúcar por ano, e desse volume extrai 17 bilhões de litros de álcool e 27 milhões de toneladas de açúcar. "Deste total, a região centro-sul, que abrange o sudeste, o sul e o centro-oeste brasileiro, produz 350 milhões de toneladas", diz Manoel Carlos Azevedo Ortolan, presidente das organizações de plantadores de cana Orplana e Canaoeste. "Os restantes, 50 milhões de toneladas vêm do norte e nordeste brasileiro".

No sul brasileiro, a colheita começa em abril e vai até novembro. No norte e nordeste, começa em setembro e termina em fevereiro. Assim, o Brasil produz cana durante quase o ano inteiro.

Em Sertãozinho, se planta entre fevereiro e maio. A colheita começa 15 ou 18 meses depois. Há, também, um segundo tipo de cana, que demora apenas 12 meses entre plantação e colheita. "Plantamos esse tipo em outubro, e colhemos em outubro ou novembro do próximo ano", explica Ortolan.


A mesma planta pode ser cortada até cinco vezes, dando assim, cinco de seis anos de cana. Depois se planta amendoim ou soja, para recuperar o solo. "Normalmente, planta-se amendoim, pois precisa de menos tempo do que a soja", diz Eduardo da usina Albertina, que, diariamente, processa 7,500 toneladas de cana. "Amendoim precisa de três meses, soja entre quatro e cinco".

Nas planícies do centro-sul, a indústria açucareira tem uma vantagem de custo significativa em comparação com o ondulado nordeste, onde a colheita mecanizada quase é impossível. Uma máquina pode substituir até 50 cortadores, "mas muitos plantadores aqui em Sertãozinho não querem usar máquinas, pois muitas vezes arrancam a raiz da cana. Um outro problema é o solo pedroso, que também limita a colheita mecanizada", explica Eduardo. Sem falar que as máquinas exigem um investimento pesado, que muitos plantadores não conseguem fazer.

"A indústria açucareira paga os melhores salários do setor rural", diz Ortolan. "Os trabalhadores ganham na média 900 reais por mês, muito mais do que em qualquer outro setor rural". Além disso, as usinas oferecem benefícios como seguro de saúde e educação - para segurar os bons trabalhadores.


Aurim não ganha tanto."Nosso salário depende da própria produção. Mas tiramos entre 500 ou 600 reais", diz o cortador da usina Albertina. Trabalha na cana há 23 anos, e agora está com 45 anos. "Minha família vive na Bahia, e só a vejo depois da colheita, no final de dezembro. A situação na Bahia é muito pior do que aqui. Lá, não se acha serviço. Ás vezes consegue um serviço por um dia na semana, ás vezes nem isso".

"A gente gosta deste trabalho. Mesmo com tanto calor. É o nosso jeito de sobreviver". Quando sorri, mostra os últimos dois dentes que ainda sobraram. As tíbias e braços estão protegidos com ferro e couro grosso, a cabeça está coberta de um boné de couro que cobre quase todo o rosto. São oito horas de serviço por dia. Cinco dias consecutivos de trabalho, depois tira um dia de folga.

A usina Albertina processa 310 toneladas de açúcar por hora. Uma tonelada contém até 140 quilogramas de sacarose, de que se pode produzir açúcar ou álcool. Por colheita, isso soma 26 milhões de litros de álcool e três milhões de sacos de 50 quilogramas de açúcar.

A capacidade diária é de 20,000 sacos de 50 quilogramas de açúcar. Além disso, há uma capacidade de produzir 190,000 litros de álcool hidratado ou 110,000 litros de álcool puro, chamado de anidro.


"O hidratado é o combustível para os motores  flexpower. Ele contém entre 92,9% e 93,5% de álcool, o resto é água", explica Eduardo. "O anidro é o aditivo para a gasolina comum. É considerado álcool puro, mas, na verdade, tem um grau de pureza de 99,9%".

A cana-de-açúcar oferece um futuro promissor. "Daqui a dez anos, vamos produzir 650 milhões de toneladas de cana-de-açúcar no Brasil, ao invés das 400 milhões de toneladas de hoje. O mercado interno de carros demandará, até 2010, mais 7 bilhões de litros acima da demanda atual. As exportações vão atingir 5 bilhões de litros, três bilhões a mais do que hoje. E o mercado brasileiro de açúcar vai crescer mais 6 milhões de toneladas, até 2012," acredita Ortolan.

"As plantações se estenderão nas regiões que hoje vivem em função da criação de gado, principalmente no centro-oeste. Hoje temos mais ou menos 220 milhões de hectares de pasto de gado, mas apenas 180 milhões de cabeças. Quer dizer menos de uma cabeça por hectare. Com um pouco de tecnologia, seremos capazes de ter o mesmo número de gado na metade do pasto. Assim, vamos ter muito mais espaço para plantar mais cana".

Texto + Fotos: Thomas Milz