[art_3] Brasil: Kick it like Marta
Deus torce para quem?

Existe justiça no futebol? E se existe, como é que se define o que é justo? É justo que os brasileiros quase sempre deixam o campo, após dos noventa minutos, como vencedores? Como se não bastasse que são os melhores jogadores do mundo...

0 a 0 foi o placar depois do primeiro tempo da final da Copa do Mundo de futebol feminino. As brasileiras não fizeram um ou dois gols por pura sorte das alemãs. O sonho das alemãs de ganhar o bicampeonato, depois da primeira copa em 2003, de repente parecia bem longe.

Pois para ganhar da tecnicamente perfeita Seleção depende de muita sorte, e como Deus é brasileiro, o que se pode fazer?

Existe um Deus? E se existir, Ele torce para quem? Será que Ele torce para aqueles que já ganharam dele o maior talento?

Como é o caso de Marta, jogadora de apenas vinte e um anos, de rabo de cavalo, o número 10 da Seleção. Há três anos, a melhor jogadora do mundo joga na Suécia, pois em casa, pouca gente dá bola para o futebol feminino. Diferente da Alemanha, onde até dez mil torcedores aparecem para ver um jogo da primeira divisão alemã.

Equipes alemãs sempre têm problemas contra individualistas tecnicamente perfeitos como jogadores brasileiros. Quem acha que temos uma chance, não entende nada de futebol.

Lembranças ainda vivas surgem. 0 a 0 o placar depois do primeiro tempo, também. Estive numa pequena ilha, no meio do gigante Amazonas, assistindo a final da Copa 2002 com uns trinta brasileiros. Rivaldo, Ronaldo e Ronaldinho, os três magos, contra uma equipe alemã sem grandes nomes, sem nenhum destaque. Futebol arte, ofensivo e mágico, contra uma defesa alemã de concreto, com um goleiro loiro e doido. Brasil contra Oliver Kahn.

Não houve outra opção, foi uma derrota anunciada. Mesmo quando uma bola de Neuville explodiu na trave brasileira, era apenas uma rápida ilusão de um desfecho impossível. Quando Ronaldo, depois de 70 minutos, finalmente fez o 1 a 0, o destino finalmente se realizou.

Mas, pelo menos, as brasileiras não jogaram tão brilhantemente quanto os homens. Assim, a Alemanha ganhou seu primeiro título, em 2003, relativamente fácil. E tinha muita esperança de defender este título e chegar ao bicampeonato em 2007. Quando, de repente, durante os jogos Pan-Americanos em Julho de 2007, apareceu uma equipe brasileira fantástica. Derrotaram todos, e até aplicaram uma goleada histórica de 5 a 0 na equipe dos Estados Unidos.

E continuaram do mesmo jeito na Copa do Mundo na China. Mais uma vez, derrotaram os Estados Unidos por 4 a 0, nas semi-finais. O medo se espalhou entre os torcedores alemães antes da final.

E foi por sorte que as brasileiras não abriam o placar logo no primeiro tempo. Acertaram a trave depois de 23 minutos. Já vi esse filme, pensei. A gente consegue segurar o placar por algum tempo, mas, finalmente, o brilho individual das brasileiras vence o coletivo.

Quando o fatalismo já tomou conta dos torcedores alemães, abriu-se o placar: 1 a 0. Só que não foi Marta ou uma das brilhantes brasileiras que marcou, mas a alemã Birgit Prinz. Dá para vencer o destino? Dá para manipular a roda gigante?

Marta ainda teve sua chance de marcar, mas desperdiçou um pênalti. Ronaldinho teria marcado com certeza, pensam os comentaristas brasileiros neste momento. Machos malditos.

As brasileiras correm contra o tempo e a derrota, mas tudo em vão. Marta é eleita a melhor jogadora do torneio e ganha, com sete gols, a chuteira de ouro. Mas ela chora, igual às outras jogadoras brasileiras. Será que Deus as deixou na hora que elas mais precisavam Dele?

Ou será que Deus prefere a Formula Um, e, depois de assistir o Grande Prêmio do Japão bem cedinho, voltou a dormir e perdeu a final da Copa?

Texto + Fotos: Thomas Milz