caiman.de 10/2005


[art_3] Brasil: Quem é Filipe De Long?
 
O telefone tocou bem cedinho naquela manhã. “É você, Filipe de Long?” A voz de uma criança me perguntou. Na primeira chamada, ainda neguei de forma bem gentil e sugeri que devia ter sido um engano.
 
Mas depois que ela tinha me acordado pela terceira vez naquela manhã de fim de semana, fiquei bravo e exigi falar com a mãe da criatura ou qualquer outra pessoa responsável pela falta de educação dela. “Olha menina, assim não dá! Ligar de manhã...” Ela simplesmente desligou. Mas só por cinco minutos, depois ela liga de novo.
 
Bom, alguma coisa dessa ou parecida com certeza acontece sempre com todo mundo. Só achei estranho quando, durante os próximos dias, o número de ligações de pessoas querendo falar com o tal de Filipe de Long aumentou exponencialmente. Mas o espanto real só começou quando ouvi a voz rouca e lasciva de uma mulher perguntando quanto Filipe cobraria para uma visita na casa dela. “Com programa completo,” disse ela.
 
“Nós vamos ter uma festinha privadíssima aqui em casa, e um show do Filipe seria ótimo para animar os meninos!”
 
Depois de ter desligado imediatamente, olhei assustado para todos os lados, até fixar a porta da sala, que leva para os quartos dos meus companheiros de apartamento. Os dois nos quartos deles, tão quietos, trabalhando nos computadores, que me deixou suspeito de alguma coisa. Os dois na internet! Quem pode dizer que tipo de website de conteúdo imoral eles, que parecem tão comportadinhos, estão acessando neste momento. Colocando seus anúncios duvidosos!
“Clique-claque” soam os teclados dos PCs, chicotando as ofertas mais selvagens pela rede global, colocando, em baixo, nosso tão imaculado e inocente número de telefone. As primeiras associações com o nome “de Long” esvaziam na minha cabeça, tomando conta da minha imaginação.
 
Boto o assunto na mesa de jantar. Todo mundo negando a suposta participação numa coisa dessas. Impensável qualquer envolvimento deles. Segundo eles!
 
A tortura telefônica continua. Durante uma semana inteira, o constante tocar do telefone me tira a tão necessária concentração nas horas de trabalho. Sempre quando pergunto os sujeitos no outro lado da linha, na maioria feminina e jovem, onde conseguiram meu número, eles desligam rapidamente. Às vezes, os ameaço de chamar a polícia. Outra vez, uso todo meu charme para conseguir aquela informação crucial. Tudo em vão.
 
“De onde você tirou esse número?” Claque. Desligaram.
 
Até que, numa tarde de chuva, consegui enrolar uma jovem num papo bem levinho. “Achei o número no site do Filipe” ela confessou sem suspeitar de nada.
 
“E de onde você conhece o Filipe?” Continuo minha investigação, seguindo essa nova pista. “Minha irmã mais nova é fã dele. Ela o viu cantar a sua nova música  no Domingão do Faustão. E no website dele tem esse número como contato.”
 
Quando, durante o jantar, ofereço as novidades aos companheiros de apartamento, todos, de repente, conhecem Filipe de Long. Menos eu. “Cara, como você não o conhece?! É um cantor famoso, dezessete aninhos, cabelo comprido” o primeiro tira seu vasto conhecimento de só Deus sabe. “Até bonitinho, ele. Fofo” o outro sai do armário. E eles escrevem o nome dele num papel: Felipe Dylon!
 
As chamadas continuam. Inventamos histórias para as meninas. Aquela de “ele morreu num acidente de mergulho e, por isso, parou de dar shows” achei, pessoalmente, forte demais. E de mau gosto. No princípio.
 
Mas só alguns dias passaram até eu ouvir minha própria voz dizendo uma crueldade como “ele se aposentou e não canta mais”. Assustadíssima, a menina no outro lado da linha desligou. E eu, nesse lado da mesma linha, senti, logo em seguida, um peso imenso de pura culpa se colocando nos meus ombros.
 
Decidimos pedir, da próxima criatura que ligasse, um adiantamento de 5,000 Reais para um show de uma hora do Filipe. O número da conta de um companheiro de apartamento já estava escrito num papel, esperando, colado no telefone, sua primeira vítima. Mas ninguém se atreveu a dar o passo decisivo para entrar no mundo escuro do crime pesado.
 
“Vocês têm de avisar o Felipe que ele colocou seu número no site dele” aconselha uma amiga peruana. “Ligue para ele e avisa que é o número de vocês.”
 
Pensando bem e na multidão de meninas desesperadas, que tentam, em vão, convidar Filipe para suas festas de quinze anos, decidi seguir o conselho dela. Achei o número de contato do Filipe no site dele. Desde então, tento sem parar falar com ele. Mas, por incrível que pareça, está sempre ocupado.

Texto: Thomas Milz
Fotos: amazon.de