[art_4] Os heróis do Brasil: Resumo da Copa do Mundo 2006
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Parte 1: Queda dos heróis - Brasilien revive o pesadelo de 1966
Ele ainda está sorrindo. Está na embalagem de sorvetes, mostra a cara nas batatas fritas no caixa. Muitas das propagandas de televisão já foram cortadas. Chega de desodorante, tênis, ringtone, refrigerante e bancos. Ah, a gente estava tão acostumada com o "sorriso de campeão" dele. Ronaldinho desembarcou na Alemanha como grande esperança, a salvação do "jogo bonito". Era ídolo da juventude, de todas as crianças loiras alemãs, que não cansaram de gritar seu nome.


Mas o que ele e seus colegas apresentaram na remota Alemanha, deixou os fãs no Brasil e no mundo todo espantados. No campo, ninguém se entendeu mais. Não sabia se era para formar uma linha de impedimento (o que resoltou no gol de Henry, eliminando a seleção). Alguns protagonistas como Kaká correram no campo sem saber quais seriam exatamente suas funções. E Ronaldo estava em plena forma - de bola. O que deu errado?

Nos treinos em Weggis tudo era uma beleza. Cinco mil espectadores lotaram o estádio todos os dias, e milhões diante das televisões do mundo podiam testemunhar que o clima entre os craques estava relaxado. Espírito brincalhão. Mas, atrás de todo esse show, os nervos estavam à flor da pele. Quando o presidente Lula perguntou, numa videoconferência com os jogadores, se Ronaldo estava realmente gordo demais, o craque deu o troco. Ele não está gordo, como ele (Lula) também não deve estar bebendo demais, disse o jogador.

Os nervos estavam à flor da pele. Um presentimento invadiu os apresentadores esportivos da televisão brasileira. Jogadores exaustos pela longa temporada européia, craques fora de forma. E um treinador sem idéia de como botar todos os craques juntos e ao mesmo tempo num único time. Um segundo 1966 estava no ar. Naquela copa, o bicampeão Brasil chegou como grande favorito na Inglaterra. Com muitas estrelas velhas, heróis das conquistas de 1958 e 62, que foram para a Copa só pelos méritos do passado. Como Garrincha, que nem corria mais. Passeava em campo. Na Copa de 66, o Brasil foi eliminado logo na primeira fase. Desta vez, os Ronaldos cansados ao menos rastejaram até as quartas-de-final.

Não faltaram avisos. Quase toda a imprensa esportiva do país pediu, antes da Copa, a não-escalação do capitão Cafu e do lateral esquerdo Roberto Carlos. "Eles não podem jogar juntos" avisou a Placar, revista de futebol, sobre o quadrado mágico; tão mágico que pode acabar com qualquer adversário. Na teoria, pelo menos. Mas o técnico Parreira acreditava no seu quarteto ofensivo. Ronaldo, Adriano, Kaká e Ronaldinho - o que poderia dar errado quando eles entram juntos em campo?


Depois do fraco desempenho da seleção na primeira fase da Copa, Parreira começou a duvidar das próprias convicções. Tirou o pesado Adriano contra a França, para a entrada do inspirado e levinho Juninho Pernambucano, colocando-o no meio-campo, ao lado de Kaká. Assim, Ronaldinho Gaúcho podia avançar mais e jogar no ataque, ao lado do seu ídolo absoluto, Ronaldo. Nunca tinham jogado assim, nem testado essa nova formação antes, nos treinos. Agora os treinos "show" pesaram negativamente, treinos meia boca para agradar a platéia pagante. Quando, no fim do jogo, nada mais adiantava, Parreira tirou Juninho, para a volta de Adriano, voltando para o "quadrado mágico". E morreram abraçados, afundaram juntos.

O que se verificou, segundo especialistas, a eterna confirmação de que o futebol mais eficiente e disciplinado dos europeuos prevaleceu, mais uma vez, ante o futebol arte, do jogo bonito do estilo sul-americano. A mesma coisa já se ouvia em 1982, quando a "seleção fantástica" do capitão Sócrates tinha perdido para a Itália. "Jogo bonito" e "futebol arte" - depois da Copa de 2006 só nas propagandas de televisão, como disse Zico, técnico brasileiro da seleção japonesa. A racionalidade européia prevaleceu, se disse.

Mas, para ser sincero, parecia que os brasileiros nem estavam muito a fin de jogar bola.


Parte 2: Desastre coletivo sul-americano
É preciso cavar profundo na história das copas para achar um fracasso de times sul-americanos do tamanho do da Copa de 2006. A última vez em que nenhum time da América do Sul chegou às semi-finais, foi na Copa de 82, na Espanha. Em 1986 e 1990, foi a Argentina que chegou na final, sendo campeã em 86 e vice quatro anos depois. Em 1994, 98 e em 2002, foi a vez do Brasil chegar na final.

Em 2006, foram Equador e Paraguai que representaram o continente ao lado dessas duas grandes equipes tradicionais. O bicampeão Uruguai (1930 e 1950) nem sobreviveu às eliminatórias, caindo na repescagem diante da Austrália.


Talvez a queda do Uruguai já tivesse sido um sinal negativo para o restante dos times do continente. O Paraguai não jogou nada e se despediu já logo na primeira fase. Por outro lado, o Equador surpreendeu, ao chegar nas oitavas-de-final. Mas contra os fracos ingleses, eles ficaram de repente com tanto medo de si mesmo, que resolveram entregar o jogo e voltar logo para casa.

Quem começou a Copa de forma esplêndida foi a Argentina. Duas vitórias logo no começo, perante a Costa do Marfim e a Sérvia e Montenegro, surpreenderam os analistas. Mas já nas oitavas, precisaram de um chute de pura sorte para eliminar a forte equipe mexicana. E contra a Alemanha, foi a vez do técnico José Pekerman: foi ele sozinho que tirou o próprio time da competição. Cedo demais tirou o centro ofensivo da equipe, Riquelme e Crespo, para defender o apertado 1 a 0 contra os anfitriões. O resultado todo mundo conhece. Depois da partida, só restou aos argentinos começar aquela bagunça obrigatória deles - pancadas. Coisa bem conhecida na Copa Libertadores, especialmente entre times brasileiros e argentinos.


Mas foi o Brasil que mais decepcionou. Todo mundo esperava deles um triunfo na Alemanha. Mas Ronaldinho e seus companheiros, que aparentemente confiaram demais na própria infalibilidade, nos malabarismos que todo mundo conhece das propagandas. Só que quando o bicho pegou, nem isso os salvou. Eles se esforçaram, disseram os jogadores depois da partida, mas contra Zidane e sua equipe da terceira idade não podiam fazer nada.

O que sobrou para os times sul-americanos? Apenas a medalha para os "verdadeiros vencedores" da Copa: "Nesta Copa, nenhum time jogou melhor que a Argentina", disse o jovem astro Messi, que, apesar de não ter jogado muita bola na Alemanha, pelo menos já possui aquela humildade tipicamente argentina.


Parte 3: Bem-vindos ao país do futebol
Quem inventou essa história de que o Brasil é o país do futebol? Talvez Nelson Rodrigues, gênio de teatro e fanático por futebol, lá pelos anos dourados no Rio de Janeiro. Mas talvez não.


Para o brasileiro comum (quem ou que seja isso) já bastaria mandar dez seleções brasileiras para a Copa do mundo. Bom jogador suficiente para escalar tantos times o Brasil tem, a galera acha mesmo. E isso, mais importante ainda, pouparia todo mundo destes joginhos chatos sem participação brasileira

A TV Globo já está caminhando nesta direção, para agradar os telespectadores brasileiros. No meio da prolongação da disputadíssima partida das quartas-de-final entre a Alemanha e a Argentina, a Globo mostrou imagens da chegada da seleção canarinha ao campo de trainamento. Ou, para ser mais exato, do ônibus da seleção estacionando.

E logo antes da disputa de pênaltis daquela partida, trocaram a imagem do jogo para mostrar os alongamentos dos craques brasileiros. Consequentemente, depois da eliminação da seleção, o interesse dos brasileiros pelo resto da Copa diminuiu bastante.

Assim, o país caiu de repente no triste dia-a-dia do futebol caseiro. Cruzeiro contra Corinthians ao invés de Brasil contra o resto do mundo. "Claro que o Brasil ainda tem o melhor futebol do mundo", se fala modestamente por aqui. "Pois somos nada menos do que o país do futebol."

"O fato mais triste desta Copa", disse um apresentador gorducho de futebol da televisão brasileira, "foi que teria sido tão fácil ser campeão."

Texto + Fotos: Thomas Milz