caiman.de 08/2005


[art_3] Brasil: Tempos turbulentos em São Paulo

Isso realmente são tempos turbulentos. Um vento gelado circula os apartamentos dos arranha-céus, entra chispando pelas fendas e rachaduras das janelas panorâmicas, deixando as pessoas tremerem. Frente fria, mais uma. E nada de aquecimento.

Baixo-astral geral. O país abalado pelos escândalos que a classe política gera com cada novo dia. Muita gente decepcionada se sente traída pelos políticos gananciosos. Só resta uma coisa para levantar o estima: colocar roupa quentinha e sair para mexer o corpo.



Pegar fila neste tempo não é tarefa fácil. Uma tequila para esquentar. E voltamos para a fila. Depois de uma meia hora de espera conseguimos entrar na discoteca. "Só música dos anos oitenta, rigorosamente. Um lugar gay. Mas não tão rigoroso." Guardamos as jaquetas quentes, e entramos na pista cheia. Os amigos jogam da varanda acima da pista, onde se encontra o bar, latas de cerveja para abastecer a gente. "O que você acha - todas as mulheres aqui são lésbicas?"

A mulher de jeans apertadíssimo passa pela segunda vez, olhando e sorrindo para nós. A encontro no balcão. "Seu amigo pode tirar uma foto da gente?" Ela logo cai nos meus braços, e o flash corta o ar cheio de fumaça. "Seu amigo cortou nossas cabeças - mais uma foto." Ela me aperta e agarra, enquanto o amigo luta contra a tecnologia digital.

Encontro ela só depois de mais duas horas de dançar e umas latinhas de cerveja a mais. Sem falar das tequilas que tanto esquentam a gente. Ela simplesmente me agarra e beija. Tempos turbulentos.

De repente, meu amigo e eu estamos na rua, no caminho para a próxima discoteca. O frio danado. Esqueci minha jaqueta. Percebo tarde demais. Já estou tremendo, vestido só de camisa suada. "Isso é Brasil ou o pólo norte?"

O taxista xinga os políticos e fala da decepção com a esquerda. Descemos e mudamos para as Caipirinhas. Sempre tem que aumentar a dose de álcool. A menina ao meu lado quer que eu salve o número dela no meu celular. "Tarefa fácil," asseguro a ela, enquanto tento liberar o teclado. Muito escura, esta discoteca, mas consigo, mesmo sem perceber.

Só no dia seguinte acho os três novos contatos salvos no meu celular: um de uma pessoa chamada "J#" com o número "5528###9999jj0072", uma pessoa sem nome, mas com o número "aa433###" e um tal de "Andr" com o incrivelmente curto número "j#3". Não tão ruim para uma farra dessa, penso com toda razão.

Quando saímos da discoteca número três ou quatro, o sol já ilumina o deserto de cimento numa luz cinza-lilás. O amigo dorme no banco de trás do táxi, enquanto o taxista bota pra fora sua raiva da classe política. "Vem, vamos tomar café da manhã no hotel," diz o amigo recém-acordado, quando o deixo na frente do hotel dele. "Ninguém vai perceber que você não está hospedado aqui. Tão cedo não deve ter ninguém tomando café."

Os persianos grossos espalham um sentimento de aconchego e calor nestes tempos tão turbulentos e abafam nossos passos sinuosos ao caminho para o buffet. Trabalhei tempo suficiente em hotéis de quatro estrelas para saber como o café da manhã é nojento nestes lugares. Quando chega a noite, os funcionários abrem as geladeiras da cozinha e se enchem de fatias de mortadela e queijo, tiram os cereais das embalagens com as mãos e comem com leite desnatado.

Além da gente, há apenas mais um hóspede tomando café, já lendo o "Estado de São Paulo".

"Bom dia, senhor ministro!" Saudamos. "Bom dia!" Diz o ministro de educação, mostrando um sorriso amplo e inadequado nesses tempos tão turbulentos para o governo dele.

O taxista, que me leva do hotel para casa, pensa da mesma maneira. "O governo e o PT não têm nada para se alegrar nestes dias!" Ele me assegura. Meu celular tocando me acorda pouco depois. "Só queria saber por que você me ligou as cinco e meia da manhã. Quando atendi, só ouvi vozes altas e música," ouço minha professora de espanhol dizer. Felizmente, ela levou numa boa. "Parecia que você estava teclando alguma coisa desesperadamente. Tudo ok contigo?"

"Tudo ok!" Asseguro a ela, viro para o outro lado e volto a dormir. Enquanto isso e apenas uns poucos quilômetros da minha cama, o sempre sorridente ministro de educação é eleito novo presidente do PT. "Assumo a liderança do partido nesses tempos tão turbulentos", ele fala para as câmeras.

O mundo fora da minha janela é cinza e hostil, a garoa de sempre cai sobre o deserto de cimento. "São tempos turbulentos", penso e volto a dormir.

Texto + Fotos: Thomas Milz