caiman.de 08/2005


[art_1] Brasil: O lado errado do Rio

"Tô triste. Deixamos o Rio de Janeiro"
"Tudo bem, mas a gente só atravessa a ponte. Vamos para o outro lado do Rio..." Ela não me deixa terminar a frase. "Olha bem rapaz, uma coisa está certa: isso lá na frente não é o outro lado do Rio. Rio é o que se localiza neste lado...", diz com um suspiro, os olhos melancólicos olhando para trás. "Isso na nossa frente é outra coisa!"

Os cariocas se tornam esquisitos quando alguém menciona que realmente existe um mundo além do Rio de Janeiro. "Você mora em São Paulo, então o que você entende do Rio?" Pelo menos, eles aceitam a existência de São Paulo. Mas não gostam. Diferente do outro lado da Baía de Guanabara, que, para eles, quase não existe.


Atravessamos a baía pela ponte Pres. Costa e Silva, que, com uma extensão de 13 quilômetros, liga os dois lados. "Eu acho simpático aqui. Tem um ar boêmio-decadente." Minha ingenuidade logo será punida, dizem os olhos da carioca. "Tudo isso até me lembra de Guarujá." Essa foi demais, ultrapassei o limite. "Guarujá, aquela praiazinha horrível, asfaltada, cheia de paulistanos, não tem nada a ver com Niterói, nem chega perto!"

Niterói! Assim se chama esse lugar agradável. Pequenas praias há por aqui, a beira-mar aconchegante e, do lado para o mar aberto, pequenos condomínios de praia com vista para o mar, onde os meninos jogam bola.

"Daqui se tem uma vista maravilhosa para do Rio de Janeiro", diz a carioca. Estamos ao lado do MAC, do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, construção famosíssima de Oscar Niemeyer. Desde 1996, o museu reina sobre o Morro da Boa Viagem, cercado de pequenas praias. De fora, parece um disco voador, dentro há um monte de arte moderna, suficiente para não entender nada.


"Onde as obras dormem", se chama à exposição. Dizem que há visitantes que acham que as caixas fechadas e as obras cobertas de panos no segundo andar não fizessem parte da exposição, mas representassem o armazém do museu.

De certa forma, esse aspecto um pouco trágico até representa toda a imagem da cidade, que tanto parece invisível. Todo mundo sempre de olho nas maravilhas do outro lado, naquela cidade maravilhosa, deitada majestosamente num cenário de montanhas mágicas, gerando um brilho que atravessa o mundo e ilumina os sonhos de gente do globo inteiro. "A palavra Niterói vem do tupi, Nheteroia, que quer dizer algo como baía sinuosa ou águas escondidas", a carioca me ensina. Águas escondidas, cidade invisível. Até os índios já tinham percebido.


Uma cerveja na praia atlântica de Camboinhas. Mesmo que seja um sábado de 25 graus, há pouca gente na praia. "Os cariocas de Niterói não gostam de praia, hein?" Pergunto, e os olhos da carioca se enchem de pavor. "Carioca é só a gente, que realmente nasceu no Rio! O resto é fluminense!"

No horizonte, os morros do Rio de Janeiro surgem da neblina que sobe da espuma das ondas e atravessa a praia. A carioca levanta o copo e saúda para os morros distantes. "Rio é tão lindo, simplesmente não há comparação..." No caminho de volta, nos perdemos na cidade invisível. Não há placas indicando o caminho para a ponte que levaria a gente de volta para o lado certo.

Finalmente, achamos a ponte, e enquanto nos aproximamos das luzes da "cidade maravilhosa" e um cheiro mofo-petrólico, vindo dos cais do porto de Rio, entra em nossos narizes, a carioca finalmente descobre seu lado humilde.


"Até bonito, o outro lado." Olho com surpreso pra ela, espanto de tanta modéstia e senso de aceitação de coisas alheias. E ela acrescenta: "Sabe, do outro lado se vê até melhor a singularidade de beleza do Rio de Janeiro."

Texto + Fotos: Thomas Milz