ed 07/2010 : caiman.de

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Especial: Diego Maradona / Copa do Mundo de 2010 [1] - [2]
 
Na ocasião da ressurreição de Don Diego Maradona na Copa do Mundo de 2010, trazemos para vocês mais uma vez os melhores momentos do jogador mais emocionante do mundo / arquivo caiman ed. 06/2004

Selling El Diego
Necrólogo para um vivo

Buenos Aires, bairro de Recoleta, começo de janeiro deste ano. A primeira vista, reconheci aquele rosto tão famoso, cheio de lágrimas, e os olhos dele encontraram os meus. "Queima de estoque - 9,90 Pesos" chamou um adesivo na testa dele, e eu não consegui resistir. Peguei. "Yo soy El Diego" era o título do livro. "Nem três Euros para a autobiografia dele. O deus do futebol. A mão de deus. Amado pelos deuses", pensei. "São as últimas cópias", o vendedor murmurou, "e do jeito que a coisa anda, não vai ter uma nova edição."



Quatro meses depois. Abro o jornal. Uma foto do Diego. Ele anda pelo jardim de um amigo dele, cinquenta quilómetros de Buenos Aires. Descalço. E vestido apenas com um lençol, apertado no quadril. Pelo menos suponho que o quadril dele fica por aí. Além disso, parece estar nu. Ele está gordinho como uma bola, com a cara inchada. Assim, faz lembrar de uma mistura de Che Guevara, Mestre Yoda e um lutador de sumo.

Um amigo meu de Buenos Aires me liga. Ele conta que se encontrou com Maradona, um dia antes do colapso, e que os dois tinham combinado fazer uma entrevista para um programa de esporte da televisão italiana. Mas a entrevista não aconteceu, pois Maradona, ao visitar um jogo no estádio "La Bombonera", um dia depois do encontro com meu amigo e poucas horas depois de voltar de uma festa bem animada, passou, de repente, muito mal e foi levado para um hospital. Agora, Maradona saiu do hospital, depois de doze dias entre a vida e a morte. Os médicos não tinham dado alta, mas, mesmo assim, El Diego saiu, por vontade própria. Com toda essa confusão, o valor de Maradona no mercado aumentou. Pelo menos, parece que El Diego pensa assim.

Agora, ele quer mais dinheiro do que foi combinado antes, conta meu amigo ao telefone. Para complementar o cachê de Maradona, é preciso achar mais uma emissora de televisão. Rapidamente! "Você conheçe alguma emissora, que esteja a fim de pagar XX.000 dólares por uma entrevista exclusiva com El Diego? Um canal brasileiro? Talvez os ingleses? Mas com certeza os alemães, ou?" Bom, o mundo deve estar cheio de jornalistas e canais de televisão, querendo saber tudo sobre a carreira fantástica do "mão de deus", sobre as drogas, Cuba, Fidel Castro e os últimos dias no hospital. Creio. Pego minha agenda e começo a fazer ligações.

Primeiro, os correspondentes da televisão alemã no Brasil. É fim de semana, e isso não é muito favorável. Alguns correspondentes aproveitam o bom tempo no Rio de Janeiro para jogar golfe. Outros estão em Atenas, fazendo reportagens pré-olímpicas. E aqueles que finalmente atendem o telefone, não têm poder de tomar decisões. "Temos que perguntar aos responsáveis na Alemanha. E eles não trabalham no fim de semana. Só na segunda-feira. Seria mais fácil vender uma coisa dessa durante a semana, sabia..." Valeu! Pelos menos a televisão inglesa trabalha no fim de semana. "Que ética de trabalho.." penso. Mas eles têm uma outra ética que atrapalha bastante o negócio: "A gente nunca paga por uma entrevista. É a política oficial da BBC..." uma voz de sotaque pesado explica, "mas deixe seu número comigo. Vou dar uma pesquisada, e qualquer coisa, ligo para você", disse ele, e desliga. E não liga mais. Deve ter sido aquele gol do Diego contra a Inglaterra, na Copa de 1986. Aquele feito a "mão de deus".

Em janeiro, li o livro do Diego em dois dias. Impressionado com a habilidade dele de sempre chorar, visitei o estádio dos Boca Juniors, onde Maradona tinha começado sua grande carreira.

E onde ela terminou. E onde ele, poucas semana depois da minha visita, quase morreu. Aliás, para quem ama tanto seu time, parece o lugar certo para morrer. Não fui para o museu do Maradona, nas catacumbas do estádio. Mas vi as cartazes e jornais velhos, coladas nas paredes. E tirei fotos do vestiário e do banheiro do Boca Juniors.



Foi aqui que Maradona se trocou, antes de entrar e brilhar no campo. Foi aqui que ele tirou, depois do jogo, o suor, o melhor jogador de todos os tempos. No Brasil, não se gosta de ouvir isso. Ele é um mal exemplo para a juventude, um apresentador brasileiro critica, pois não consegue resistir às drogas. Fraco demais para encarar o dia-dia, de aguentar a vida.

No outro fim da linha, ouço uma voz que conheço desde os tempos da minha infância, a voz de um apresentador da televisão alemã. Mesmo assim, pergunto duas vezes o nome dele. Tática de negociar! "O que o Maradona pode falar de novidade?" a voz famosa me pergunta. Respiro fundo para apresentar apenas os acontecimentos das últimas semanas. Só isso já daria uma lista enorme: cocaina, a namorada cubana grávida, Fidel Castro..... Mas ele nem me deixa começar. "Além das drogas e coisas de amor?" insiste a voz. "Bom..." agora é a hora de argumentar. Mas ele me afunda: "Escuta, a gente não está a fim de financiar as drogas e amantes do senhor Maradona."

Provavelmente a partir da sua chegada a Nápoli, El Diego começou a tomar cocaina. Na copa de 94, foi suspenso por causa dela. Oficialmente, por causa de doping. Mas a cocaina atrapalhou mais as habilidades dele do que servia como estimulante. Pouco tempo atrás, a esposa o deixou.

Parece que ela não aguentava mais as histórias de drogas dele. E o tratamento em Cuba se transformou, nos últimos anos, numa fuga perpétua. Em Buenos Aires, disse Maradona, todo mundo so fala mal dele. Há boatos que ele engravidou sua namorada cubana. Uns comentam que ela tem menos de dezoito ano. "Ele só vai ficar uma semana em Buenos Aires", meu amigo me diz, "depois ele volta pra` Cuba. Temos que ser rápidos." E eu continuo telefonando.

Enquanto isso, El Diego não fica na cama, como deveria para se recuperar, mas aproveita o bom tempo jogando golfe. Mas, provavelmente, não com os correspondentes alemães. Será? Quando um helicóptero se aproxima, ele baixa a calça e mostra sua bunda. Como se isso ainda não bastasse, ele resolve dar uma entrevista para uma loira da televisão argentina. Um desastre total para mim, pois a entrevista foi tão sem graça, que provoca reações bem fortes do outro lado da linha telefónica. "Diego é um proletário, que só fala merda", um jornalista alemão constata, "e meu canal não vai gastar dinheiro com isso não."

Para pegar os responsáveis bem cedinho, fico acordado a noite toda, aproveitando minha televisão a cabo. Cinco horas de fuso horário para a Alemanha. Assim, começo fazer minhas ligações as três da madrugada. "Você se importa de ligar novamente daqui a meia hora. O senhor XY ainda não chegou." uma voz agradável me confirma, depois de ter escutado todos os meus argumentos e porquês para colocar El Diego no primetime. Um episódio de "Sex and the city" mais tarde, ligo de novo. "Não, você não tem falado comigo. Acho que foi com minha colega. Mais o que você está querendo do senhor xy?"



Bom, não consegui descobrir porque pessoas em cargos importantes gostam de ter duas secretárias, mas descobri que os responsáveis nunca saem das reuniões e que nunca há espaço livre na grade da programação. Tudo está entupido de reportagens pré-olímpicas e pré-EUROCOPA. E de pré-reportagens sobre a penúltima rodada do campeonato alemão. Que maravilha de programa. Penso. Para o Maradona, não há espaço nem lugar, nem se ele não estivesse tão gordinho.

Nas noites passadas ao telefone, fico sabendo que não sou o único que está oferecendo uma entrevista com El Diego. Mas sou o mais barato. Mas isso não ajuda, ninguém quer comprar. "A gente já preparou uma retrospectiva sobre a vida dele," um jornalista de um canal alemão confirmou, "para o momento certo. Pois a coisa estava ficando preta. Mas guardamos para outra ocasião..."

O tempo quase se esgotou. No último momento, um repórter de um canal brasileiro mostra interesse. "Manda sua oferta por email para mim, e já vou falar com a chefia. Te ligo depois...fique grudado ao telefone, viu!" Escrevo a oferta, a envio e grudo no telefone. Nas vinte e quatro horas seguintes, ninguém liga para mim, e o telefone daquele repórter chama e chama, sem ninguém ter a mínima piedade de atendé-lo. No dia seguinte, consigo falar com um colega dele. "Bom, não sei bem o que aconteceu, mas ele não apareceu hoje....bem estranho, acho..."

Meu amigo de Buenos Aires me liga. Acabou tudo. A televisão italiana não quer mais a entrevista com El Diego. Ficaram chateados com o comportamento dele, com a demora. "Ele vai voltar para Cuba amanhã, e não tem mais jeito." No dia seguinte, Maradona está de volta. Mas não a Cuba. Mas sim ao hospital. Dizem que comeu sanduiche e churrasco demais. No hospital, ele destroi o mobiliário, até tem que ser amarrado na cama. Segundo os médicos, ele está sofrendo com a abstinência, e eles aconselharam a família que El Diego deve passar muito tempo numa clínica especial. Mas cinco clínicas negaram o pedido da família. Maradona, o deus do futebol, é famoso demais e causa problemas demais.

Finalmente, uma clínica aceita tratar El Diego. Ele deve ficar pelo menos seis meses internado, e manter uma dieta estrita. Segundo os médicos, isso é a última chance dele de se livrar da droga. Como as chances realmente são, ninguém consegue prever. "Maradona faz o que quizer, e nem escuta ninguém" declara o médico pessoal dele. Ao mesmo tempo, há boatos de que ele volte para o tratamento em Cuba. Se isso for aconselhável - li num jornal que a clínica localisa-se num bairro com o nome "El Cocal".

Para mim, resta a esperança de que o carteiro perde a conta telefónica. Ou que uma força superior destrua o computador da Telefónica. Me lembro das palavras do vendedor de livros, naquela loja de Buenos Aires, no começo do ano. Agora, essas palavras me parecem um aviso escondido. "São as últimas cópias, e do jeito que a coisa anda, não vai ter uma nova edição."

Texto + Fotos: Thomas Milz

Especial: Diego Maradona / Copa do Mundo de 2010
esp. 02: Disso se fala na America do Sul!!!
Curiosidades da Copa do Mundo 2010 em Vídeos [2]

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