[art_1] Brasil: O gênio com alma de passarinho
Ascensão e queda de Garrincha

Copa de 1958 na Suécia, começo do jogo da primeira fase entre Brasil e a URSS. O árbitro apita, e Didi passa a bola para Garrincha que dribla três zagueiros e chega com a bola no pé na pequena área. Depois de 42 segundos, chuta a bola na trave do gol. A platéia está em pé. A bola chega em Pelé que, depois de exatamente 55 segundos, chuta na trave. Os jogadores soviéticos são apenas figurantes. Garrincha está em todos os lugares, dribla e cruza. Depois de 180 segundos, Vavá faz 1 a 0 para o Brasil. Acabaram os melhores três minutos da história das Copas. E nasceu uma nova estrela.

Garrincha
Ruy Castro, julho 2005

Foto: amazon.de

Manuel dos Santos, o Garrincha, tem vinte e quatro anos. Ponta direita, chega até a linha de fundo, tirando, assim, toda a atenção da zaga dos seus companheiros. Aí vem o cruzamento para a área, onde Vavá, Didi ou Pelé só precisam finalizar. Brasil ganha seu primeiro título mundial.

Seu dom extraordinário explica-se pelas pernas tortas. São curtas e fortes, e a parte inferior da perna esquerda tem uma inclinação para fora, enquanto a perna direita está inclinada para dentro, seguindo a outra paralelamente. A perna esquerda é três centímetros mais curta, o que desequilibra seu pelvis. Seu perfil tinha a forma de um "S". Quando o Hino Nacional era tocado antes dos jogos, nem sabia, nos primeiros jogos, cantá-lo.

Manuel vem de uma família pobre. Durante sua infância em Pau Grande, perto do Rio de Janeiro, divertia-se caçando passarinhos. A garotada atirava neles com pedras, tirando-os do céu. E Manuel é aquele que acerta mais, quase infalível. Sua especialidade é matar garrinchas.

Rapidamente, se torna o astro absoluto de seu clube, o Botafogo. Levemente, ele passa pelas zagas dos adversários, quase voando como um passarinho. Continua vivendo em Pau Grande, numa casinha mais que humilde. Passa as noites bebendo com seus amigos. E namorando com as meninas da cidadezinha. Os filhos vêm um atrás do outro.

A Copa de 1962 acaba sendo a obra prima de Manuel. Pelé, machucado, sai já na primeira fase. E Garrincha troca o lado direito pelo centro. Ao invés de armar o jogo para outros, vira finalizador.

Dois gols nas quartas-de-final contra a Inglaterra, dois na semi final contra o Chile. Até recebeu cartão vermelho no jogo contra o Chile, depois de ter chutado a bunda do seu violento adversário Rojas. De vingança. Mas a sorte está ao lado dele, e a comissão disciplinar o absolveu.

Durante a Copa, começa a namorar a cantora brasileira Elza Soares. "Eu vou ganhar essa Copa pra você", ele promete. E brilha na final contra a Tchecoslováquia como dirigente da vitória brasileira por 3 a 1. Ele é o Rei, ele está no topo. De volta no Brasil, ganha um passarinho, um garrincha, que ele adora e cuida.

Garrincha deixa sua família e se muda do tranquilo Pau Grande para o "swinging" Rio, para morar com Elza. O que vêm são festas, carros felozes, uma vida de jet-set cheia de gastanças. E ainda mais álcool. A vida no Rio é rápida demais para Manuel. Ele tem a alma de um passarinho, como disse um jogador do seu time.

Começa a descida. Suas pernas tortas causam dores nele, os joelhos não agüentam mais os ataques constantes dos zagueiros. Depois de cada jogo, incham, e Garrincha tem que pausar por cinco ou seis jogos. Como ganha por partida disputada, problemas financeiros acompanham estas pausas. Ele mata a dor com mais álcool.

Dirigindo bêbado ele provoca um acidente atrás do outro. Sua fama está aruinada. Por motivos sentimentais, é levado para a Copa de 1966. Mas Garrincha está quase paralizado em campo, não se mexe mais. Sua carreira chegou ao fim.

Ele distribui o pouco dinheiro que tem entre seus quatorze filhos. O que sobrou, gasta em bebida. Em meados dos anos setenta, Elza o deixa.

Manuel encontra, pela última vez, o companheiro Pelé. Aquele "Sunnyboy" que, até depois do fim da carreira, transforma tudo em ouro. Ao lado dele, está Garrincha, inchado e perto do fim. Depois de quinze internações em UTIs, Manuel morre em 1983. O vôo do garrincha chegou ao fim. Um pequeno menino com uma alma de passarinho o tirou do céu.

Texto + Fotos: Thomas Milz