caiman.de 05/2005


[art_3] Brasil: Estrada Real – o caminho das riquezas

Mais de 1.400 quilômetros de estradas de terra e pedra ligavam as minas de ouro e de diamantes ao litoral, com seus portos, de onde a grande parte dessa riqueza deixou o país para finançiar, no outro lado do mar atlântico, as guerras das nações européias e a industrialização do velho continente. Estrada Real se chama esta rota desde os tempos da conquista do interior brasileiro, do tempo do achamento de ouro e diamantes e o começo da época das minas gerais.

Mas os brancos conquistadores usavam, na realidade, trilhos indígenas para marchar terra-adentro. Boa parte do caminho da Estrada Real foi, durante o século XVIII, assentado de pedras por escravos africanos. A Estrada Real é composta de um caminho velho e um caminho mais novo. Os dois caminhos encontram-se em Ouro Preto, antiga capital do estado de Minas Gerais, para seguir, de lá, para o norte de Minas, até Diamantina, tomando o caminho dos diamantes.



O caminho velho
Até o final do século XVII, o caminho para Minas foi iniciado em São Paulo e levava até dois meses para chegar em Minas. Em 1699, Garcia Rodrigues Pais abriu um caminho que ligava o Rio de Janeiro, através da cidade litorânea de Paraty e a região das Minas. Esse percurso durava aproximadamente duas semanas, pelo caminho velho.

Paraty
O caminho velho começa em Paraty, ainda hoje um lugar tranquilo e aconchegante formado por uma baía aos pés das montanhas verdes da Serra do Mar. A baía forma um porto natural excelente, ideal para desembarcar tudo que se precisava na colônia portuguesa e embarcar todas as riquezas encontradas nas minas do sertão. Dos primórdios do século XVI, até o início do século XVIII, Paraty era o ponto de partida para quem queria entrar na região do sertão, depois chamado Minas Gerais. O primeiro obstáculo natural são as montanhas da Serra do Mar, que formam uma muralha natural de até 1.000 metros, feita de densa vegetação.

Depois de subir a Serra do Mar, os viajantes continuaram pelo sertão paulista em direção à Serra da Mantiqueira, onde hoje as cidades São João de Rei e Tiradentes atraem muitos turistas. Não se sabe qual das várias expedições que percorriam a Serra da Mantiqueira e os vales dos rios das Mortes e da Velha foi a primeira a achar ouro.

Talvez tivesse sido a de Borba Gato, em 1693, mas com certeza pode se dizer que nos anos 1698 e 1699 uma grande quantidade de ouro foi encontrada.

Calcula-se que entre 1700 e 1799, 840 toneladas de metal foram extraídas das terras mineiras, e que apenas entre 1700 e 1720, mais de 150 mil pessoas entraram na região das Minas Gerais, dos quais mais de 100 mil escravos africanos. Para todo Brasil, no ano 1700, estima-se uma população total de apenas 350.000 pessoas. Como grande parte dessa população deixou as fazendas e cidades na procura de ouro, não restava mão-de-obra suficiente para abasteçer a população, resultando em longos períodos de fome, em brigas violentas e pequenas guerras sangrentas pela sobrevivência entre os diversos grupos de aventureiros.

São João del-Rei e Tiradentes
São João del-Rei e Tiradentes têm um legado histórico imenso. Com o trêm que liga as duas cidades via um trecho de 12 quilômetros, a região se transformou num acervo vivo da história ferroviária. No final do século XVII, o paulista Tomé Portes D`el Rey chegou à região e fundou São João del-Rei, que recebeu o título de vila em 1713. Uns quilômetros fora da vila, na fazenda de Pombal, nasceu em 1746 Joaquim José da Silva Xavier, mais tarde conhecido como Tiradentes, hoje um dos heróis nacionais do Brasil. A pequena vila ao redor da fazenda de Pombal recebeu, no começo da República em 1889, o nome de Tiradentes.

Até hoje, inúmeros prédios em São João testemunham a mais rica fase do barroco mineiro, como a Igreja de São Francisco de Assis, de 1774, obra do mestre português Francisco de Lima Cerqueira e do gênio Antônio Francisco Lisboa – o Aleijadinho. Na maestria de esculpir, o famoso artesão deixou testemunhos do seu gênio em muitos lugares ao longo da Estrada Real.

Congonhas do Campo
Fundada em 1734, a cidade ficou famosa com os 12 apóstolos em pedra-sabão que o Aleijadinho produziu para decorar a igreja de Bom Jesus de Matosinhos. A igreja, construída em 1757, ganhou as 12 figuras entre 1800 e 1805, poucos anos antes da morte de Aleijadinho. O magnífico conjunto dos profetas é distribuído no adro do santuário, enquanto encontram-se, na basílica, pinturas de Mestre Athayde. Além dos 12 profetas, Aleijadinho também esculpiu 66 figuras, feitas entre 1796 e 1799, que compõem os Passos da Paixão de Cristo. Em 1983, Congonhas foi declarada Monumento Cultural da Humanidade, pela UNESCO.

O caminho novo
Em 1710, o caminho novo foi aberto. No começo da viagem, a baía da Guanabara foi atravessado de barco até chegar em Magé, de onde começou a subida da Serra do Mar, passando por Petrópolis, até chegar em Paraíba do Sul.

De lá, a viagem seguiu pelo sertão mineiro até encontrar o caminho velho em Ouro Preto e Mariana, cidade vizinha.

Ouro Preto e Mariana
Perto do Rio Tripuí foram encontradas as maiores quantidades de ouro. Lá construiu-se, por uns anos durante o século XVIII, a cidade mais rica e mais populosa do hemisfério sul. Foi nesse lugar que o primeiro movimento brasileiro para se livrar da Coroa portuguesa e dos tributos e impostos reais, a Inconfidência Mineira, fracassou. Inspirada pela revolução francesa e norte-americana, os cidadães mais ricos da região levantaram a bandeira da independência, mas o levantamento fracassou logo e resultou na morte de Tiradentes em 21 de abril de 1792, esquartejado no Rio de Janeiro. Hoje, a cidade, com sua arte barroca de Aleijadinho e do pintor Mestre Athayde, é Patrimônio Cultural da Humanidade da UNESCO.

O ouro encontrado tinha uma crosta negra de óxido de ferro, dando origem ao nome de Ouro Preto. Com a chegada do bandeirante Antônio Dias, em 24 de junho de 1698, a maior corrida do ouro em toda a América Latina começou, transformando, em poucos anos, a vila em um conjunto único de arte barroca. Em 1823, um ano após a independência do Brasil, Ouro Preto foi nomeada capital do estado de Minas Gerais.


O caminho dos Diamantes
Em 1727 espalhava-se a notícia que na região do Alto do Vale do Rio Jequitinhonha, num lugar conhecido como Arraial do Tijuco no Serro Frio, foram achados diamantes tão maravilhosos que o rei de Portugal, D. João V, mandou as primeiras amostras logo para o Santo Papa em Roma. Até então, pedras tão preciosas só foram encontradas nas Índias e no Extremo Oriente. A Coroa declarou a exploração e extração de diamantes, total monopólio real. Só entre 1740 e 1770 foram extraídos 1.666.569 quilates, tanto que o preço do diamante no mercado mundial caiu 75%. Até 1810, cerca de 3 milhões de quilates foram extraídos da terra. Arraial do Tijuca chama-se hoje Diamantina e é tombado pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade.

Em Diamantina termina a Estrada Real, que hoje em dia virou um dos projetos turísticos mais evoluídos do Brasil. Com massiço apoio da empresa FIAT, com sede brasileira perto da capital Belo Horizonte, o governo mineiro investe no projeto Estrada Real para tornar a antiga rota de aventureiros numa atração turística.


Pela beleza natural e com sua herança colonial tão única, a Estrada Real tem tudo para dar certo e se transformar, 200 anos depois do termínio da época de ouro e de diamantes, mais uma vez num caminho de riquezas.

Texto + Fotos: Thomas Milz