ed 03/2009 : caiman.de

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[art_3] Brasil: Revoltada tupiniquim
Encontro com a cantora Andreia Dias

"Tem gente que ainda está um pouco assustada comigo." A moça vestida de couro preto e meia-arrastão que, ao som da sua música "Libido", costuma fingir uma masturbação no palco, sempre deixa alguns na platéia um pouco perturbados. Mas no encontro com o Caiman Andreia Dias deixou de chocar e revelou até seu lado brega ao se auto-declarar discípula de Roberto Carlos.

"Toco cuíca, pandeiro, mas na verdade não sou instrumentalista e sim cantora e compositora. Faço música popular contemporânea brasileira, com influência do Rock N’Roll, Samba, Blues, Soul e música latina. É por ai."



"De perto, ninguém é normal", já dizia Caetano Veloso. Com Andreia Dias, parece o contrário: de longe assusta, mas de perto parece a pessoa mais bem-resolvida do planeta. Então, porque será que tanta gente têm uma imagem tão distorcida dela? Lembro que quando ela se apresentou no "Palco das Meninas", durante a "Virada Cultural" de 2008, no centro de São Paulo, muita gente ficou chocada...

"Não sei...talvez porque eu não seja uma diva da Bossa Nova... Tenho um espírito mais Rock N’Roll, tenho uma revolta no coração. E no palco gosto de deixar isso bem claro. Não sou uma menininha que está cantando bonitinho, porque minha família é de músicos, classe média-alta, que me ajudou a ser cantora... Pelo contrário. Apanhei muito em casa, ninguém quis que eu fosse cantora... Minha família é evangélica, de um lugar muito feio aqui em São Paulo, o Grajaú, um bairro muito barra pesada. Lá, cresci rodeada de boteco, malandragem e igreja evangélica.

Pra eu cantar, tive que brigar muito, apanhar muito, até sair de casa com 17 anos, e não voltei nunca mais... Ser cantora é uma guerra, não é um glamour. É uma cara-de-pau mesmo, é coragem.

Depois que saí de casa, passei a cantar música brasileira em barzinhos do litoral. Morei em Ubatuba, cantei em bares de Parati, e também bares daqui de São Paulo. Sempre voz e violão, música brasileira, como por exemplo Bossa Nova."


Andreia mudou-se de São Paulo para o Rio de Janeiro, sobrevivendo com bicos como babá e garçonete. Até conhecer o então morador de rua Seu Jorge, com quem montou a banda Farofa Carioca. Depois voltou para São Paulo, onde criou a banda DonaZica, cujas apresentações têm um ar de teatro musical circense. 

Em 2003 entrou na Banda Glória, conjunto de 15 músicos que celebra um vasto repertório composto de marchinhas, xotes, sambas e chorinhos nas suas apresentações. Como estes estilos tão tradicionais combinam com uma jovem revoltada?


"Meu herói quando criança era Roberto Carlos. A gente ouvia muito a Jovem Guarda e muita coisa do Roberto em casa... a primeira música que aprendi na escola era uma música do Roberto Carlos, e até hoje eu gosto dele. Na verdade eu só fui acrescentando coisas. Na adolescência comecei a curtir Rock N’Roll, depois MPB,  até de Bossa Nova já gostei também. E hoje em dia gosto de tudo isso."

Em 2007, Andreia decidiu se arriscar mais e começou sua carreira solo. Gravou, com uns dos músicos da Banda Glória, seu primeiro disco solo "Vol. 1”, inteiramente de composições próprias. Liberdade é essencial.

"O disco é meu, não estou filiada à nenhuma gravadora, paguei todos os músicos, paguei todo trabalho do disco. Por isso sou independente, estou livre, posso fazer o que eu quiser com este disco. Não tenho um contrato assinado com ninguém.
Eu nunca me preocupei muito em achar uma gravadora, não penso muito nisso. Quero fazer meu som, fazer minhas músicas. Enquanto eu puder ser independente, quero ser. A não ser eu ter uma oferta muito boa de uma gravadora. Por outro lado, uma gravadora é uma instituição praticamente falida e, geralmente, muito opressora e escrupulosa. Não nasci para isso. Já foi difícil conquistar minha liberdade, e não quero perdê-la por conta de interesse."



A liberdade tem seu lado penoso. Foram muitos shows no Brasil inteiro para apresentar o disco. Shows com, as vezes, pouco mais de 20 pessoas na platéia nos bares da Vila Madalena, bairro paulistano que a acolheu... Ou de até uns milhares de pessoas, como no da "Virada Cultural". Mas parece que tudo valeu a pena. No final de 2008, Andreia participou de um especial da Globo sobre Roberto Carlos e do "Programa do Jô", além de embarcar para seus primeiros shows na Europa.

Cada vez mais bem sucedida, ainda guarda suas revoltas. "Tenho raiva de tudo, do sistema, de não puder viajar pelo próprio país pois isso é muito caro. Raiva com a corrupção que rola no Brasil, com essa corja que comanda, do dinheiro que está na mão de poucos, com a injustiça social, com a falta de assistência medica, com tudo.... Motiva pra ter revolta não falta."



Ela acha que conseguirá mudar algo através da própria revolta?

"Não. Gostaria muito, mas acho que não vai dar. Mas que tenho essa vontade eu tenho, salvar o mundo, salvar o Brasil, eu adoraria. Mas o que posso fazer? Nada, a não ser matar os políticos (dá risada..), montar um grupo guerrilheiro e sair matando políticos.... (mais risadas)

Lula, vamos tirar a tarja da bandeira nacional, que já é a primeira coisa errada. Pois "Ordem e Progresso" não existe aqui. Coisa horrível do Positivismo. Deixa só aquela bola com as estrelas. "Ordem e Progresso" não existe, progresso só surge a partir da desordem, o caos cria o progresso. Depois queria acabar com o Congresso, não precisa de tanto deputado e senador. Botar essa galera pra andar. Acabou, vamos ter só um presidente mesmo... (mais risadas!)"  

"Tem gente que ainda está um pouco assustada, eu sou, um pouco, novidade. Ainda estou amaciando a galera, chegando devagar, tem gente que curte muito, e tem gente que fica meio assustada. Mas até agora não fiquei sabendo de alguém que tenha detestado."

Texto + Fotos : Thomas Milz

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