caiman.de 02/2005

[art_3] Brasil: Bem-vindo à Botsuana

Quando, no Brasil, é noticiado algo sobre a destruição das florestas brasileiras, quase sempre um pequeno país da Europa aparece no texto, entrando, me mansinho, talvez pelos fundos da matéria: a Bélgica. Normalmente usado para comparar a área desmatada com o tamanho daquele país. Há apenas uns dias atrás li, na Folha de S. Paulo, uma matéria com a manchete "MT ainda deve perder 2 Bélgicas". Segundo tal matéria, as terras que ainda estão para serem desmatadas, num futuro próximo, equivalem a cerca de 70 mil km², mais que o dobro da área da Bélgica.

Seria interessante saber como os brasileiros reagem ao receber tal notícia... Pergunto a um amigo - com quem divido meu apartamento, um cara viajado, que sabe que Flamengo não é apenas um clube de futebol do Rio, mas, também, uma língua falada na Bélgica - o que vem na sua mente ao ouvir a palavra "Bélgica".

Eis a resposta dele: "Conheço apenas Bruxelas, e achei um pouco sujinho. Mas tem muita história, riquezas, prédios bonitos e velhos, muita cultura...." Peraí! Será que achamos a solução?


Será que o jornalista que escreveu tal matéria queria sensibilizar seus compatriotas através de associações e imaginações cruéis, como se, na floresta amazônica, fossem destruídas, inteiramente, cidades lindíssimas, cheias de história, como se homens armados de motoserras cortassem séculos ou milênios de cultura só para abrir espaço para a criação de gado e para o agronegócio? Seria a inversão da evolução? Já se ouve a música "(Nothing but) Flowers" (Nada além de flores) da banda Talking Heads: "The highways and cars, were sacrificed for agriculture" (As auto-estradas e os carros foram sacrificados para a agricultura) e ainda mais o refrão "This was a discount store, now it`s turned into a cornfield" (Isso era um supermercado, agora se transformou numa plantação de trigo)! Vale lembrar que, acima de tudo, muitos brasileiros conhecem o aeroporto de Bruxelas, um dos lugares preferidos para fazer escala ou conexão na viagem do Brasil para a Europa.

Óbvio que esse povo fica irritadíssimo ao saber que o cruzamento mais importante do transporte aéreo, indicado, na passagem caríssima, como local de destino final ou semi-final, é cortado, queimado e destruído não só uma vez por ano, mas até várias vezes, por bandos de camponeses nômades.

E se o jornalista de tal matéria queria mostrar para os leitores o tamanho da devastação florestal no norte brasileiro? Seria essencial saber se o brasileiro comum acha a Bélgica um país grande, razoavelmente grande, mais pequeno do que grande ou simplesmente pequeno.

Bom, a Bélgica tem 30.510 km²! Mas por que ninguém coloca, em vez da Bélgica, o também fofinho Butão, país da Ásia que com seus 47.000 km², tem cerca de 50% mais território que a Bélgica? Falar que a área a ser desmatada no Mato Grosso equivale ao dobro do Butão, só para variar um pouco? Ou talvez as pessoas percebessem, de repente, a dimensão da coisa? Que a situação piorou? "Gente, até pouco tempo atrás só falavam em desmatar a Bélgica, mas agora já virou o Butão – estamos realmente fodidos. Temos que reagir!" E, acima de tudo, ainda estaríamos de acordo com as aliterações: Brasil – Bélgica – Butão. Perfeito. Por outro lado, o aeroporto internacional de Butão não tem fama de ser um cruzamento aéreo essencial entre a América do Sul e a Europa, o que mostra uma clara vantagem da Bélgica.

Falando nisso, não se deve subestimar o papel das aliterações na composição do todo e, especialmente, na subconsciência das pessoas. Um jornalista, que desde os tempos dos dinossauros trabalha no Brasil, me contou a história incrível de uma visita do ex-presidente estadunidense Ronald Reagan ao Brasil. Na coletiva, Reagan cumprimentou os jornalistas com um simples "Hello Bolivia". Depois de ser informado do erro, tentou salvar-se com essa: "Foi uma viagem muito longa e cansativa. E me perdi um pouco na minha agenda – é que amanhã vou para a Bolívia." E assim, Mr. Reagan embarcou, no dia seguinte, no seu avião "Air Force One" e seguiu sua viagem para – Bogotá! Claro que é culpa das aliterações o fato de tanta gente no mundo inteiro pensar que a capital do Brasil é... Buenos Aires. E nem se pode julgar mal, não é mesmo?

Achei mais uma matéria sobre o desmatamento da floresta tropical, desta vez no "Gazeta Mercantil". O governo do Amazonas decidiu criar um cinto verde, composto de parques nacionais no sul do estado, para evitar invasões e desmatamentos.

Os três milhões de hectares do projeto equivalem, segundo o jornal, ao tamanho da Bélgica. Aparece meu companheiro de apartamento: "Lembrei de mais uma coisa da Bélgica: o chocolate deles. Maravilhoso, o melhor do mundo." E já no final do corredor, acrescenta: "Mas comprei na Alemanha, por que lá tava muito mais barato do que na Bélgica."

Me pergunto se os belgas têm alguma noção das coisas que estão rolando por aqui, tudo em nome deles...

Texto + Fotos: Thomas Milz