ed 05/2009 : caiman.de

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[art_1] Brasil: Rio cerca suas favelas
 
Muito tempo atrás, Michael Jackson gravou um clipe aqui. Mas normalmente a favela Santa Marta vive de forma menos agitada em baixo do famosíssimo Cristo Redentor que abre, lá no topo do Corcovado, seus braços para os pobres e os ricos. Mas tudo mudou com a chegada dos trabalhadores vestidos de azul. Eles estão construindo um muro de três metros de altura e 634 metros de comprimento, cercando a favela. Com isso, a favela e seus 9 mil habitantes voltou para as manchetes dos jornais brasileiros e internacionais.



Na Zona Sul, cartão-postal da cidade maravilhosa em torno das praias de Copacabana, Leblon e Ipanema, as favelas ocupam os topos das montanhas. Parece que alguém as colou na paisagem íngreme, acima das áreas nobres e hiper-caras das classes media-alta e alta. Há quase duas décadas, a população do Rio não cresce mais. Mas mesmo assim, as favelas ainda continuam crescendo. Avançam cada vez mais mata adentro, dando moradia para as empregadas das famílias ricas lá embaixo. Localização central, aluguel zero com vista de primeira.

Santa Marta é a primeira de por enquanto 12 favelas da Zona Sul que receberão um muro ao seu redor. São 15 quilômetros de muros no total, com custo de 40 milhões de Reais, para impedir o avanço lateral das favelas mata-adentro, argumenta o dono da idéia, governador Sergio Cabral. "O objetivo é restabelecer a ordem urbana e impedir que a mata continue a ser devastada", segundo Cabral. 

Mas há gente duvidando. "Existem três argumentos para a construção dos muros: um é ecológico, o outro é o do planejamento urbano, e o terceiro é a paranóia dos moradores das áreas nobres," diz Rubem César Fernandes, diretor da ONG Viva Rio que luta contra a violência na cidade e a favor de uma maior integração das favelas na sociedade. Para Fernandes o argumento ecológico é válido. Mas ele acha preocupante o simbolismo do muro para a cidade. "Já estão discutindo a construção de outros muros em volta de favelas na Zona Norte do Rio - e lá tudo é plano e não há mato para ser protegido."


Para muitos cariocas, as favelas representam uma vergonha na quase perfeita paisagem da cidade maravilhosa. E a violência que sai das favelas e se espalha pela cidade inteira tira o sono de muitos. Faz alguns dias que um tiroteio entre policias e bandidos em pleno Copacabana deixou cinco bandidos mortos e muitos moradores apavorados. Cercar as favelas e deixar apenas umas poucas saídas, controladas pela policia, por supuesto, parece para muitos uma solução válida.

A questão entrou no noticiário internacional depois das criticas feitas pelo Nobel de literatura Jose Saramago. "Tivemos o muro de Berlim, temos os muros da Palestina, agora os do Rio", o português escreveu em Março no seu blog. A partir daqui, palavras como "segregação", "discriminação" e "gueto" começaram a circular.

 
Encontra-se menos drama na própria favela. "Sempre existiu um muro lateral aqui na Santa Marta", conta Jose Mario Hilário, presidente da Associação dos Moradores da Santa Marta. "Se o povo fosse civilizado, nem invadiria a mata. Mas do jeito que as coisas são, tem de fazer algo mais drástico."

As opiniões na Favela Rocinha, onde mais de 260.000 pessoas moram sob condições precárias, são divididas. Nos próximos dias, a construção do muro de 2,5 quilômetros de extensão deve começar, com o pretexto de salvar os restos da vegetação no topo da montanha. O governo quer transformar a área num parque de lazer para os moradores.

"Não estamos falando de um muro que vai tirar a liberdade das pessoas ou separar a favela da cidade", diz William de Oliveira, presidente do "Movimento Popular de Favelas" e morador da Rocinha. "Muitas vezes, as pessoas constroem em uma área de risco e é preciso uma contenção para que isso não aconteça."

Antonio Ferreira de Melo, presidente da Associação dos Moradores da Rocinha tem uma visão diferente. Ele quis uma barreira física em forma de pistas para pedestres ou bicicletas, e não um muro. "O simbolismo é o da cidade dividida, da segregação, o que vai aumentar o preconceito contra os moradores de favelas", argumenta Melo.

Texto + Fotos: Thomas Milz

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