ed 04/2016 : caiman.de

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[art_3] Brasil: Aparecida - o shopping da fé

Domingos Garcia, Filipe Pedroso e João Alves estavam atrás de peixes. Os três pescadores tinham sido convocados pela câmara da pequena cidade de Guaratinguetá a pescar nas águas marrons do rio Paraíba do Sul. A cidade estava à espera da visita do ilustre Dom Pedro de Almeida e Portugal, governador das capitanias unidas de São Paulo e Minas Gerais. Mas nada caiu nas redes dos pescadores.


Quase que desistiram. Mas, ao lançar sua rede mais uma vez, João Alves apanhou uma figura escura. Tiraram a lama dela, e logo perceberam o que tinha surgido das águas: uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. Mas sem cabeça. Mais uma vez, João Alves lançou sua rede. Desta vez, tirou a cabeça da pequena estátua da água. A partir daí, as redes ficaram cheias de peixes. Tantos, que o pequeno barco deles quase tombou.

Deste então, aquele lugar se chama Aparecida. E desde aquele 12 de Outubro de 1717, nada mais era como antes. Quem, ao viajar de São Paulo ao Rio de Janeiro pela Via Dutra, olha para a esquerda, perto do quilômetro 160, vê uma construção gigantesca. Erguida sobre uma colina, a segunda maior basílica do mundo católico reina; superada apenas pela catedral de São Pedro, em Roma: 18.000 metros quadrados de extensão, sete milhões de romeiros por ano, oficialmente. Nela cabem 45.000 mil pessoas sentadas e mais 25.000 em pé.


Impressionante é também o monumental estacionamento ao lado da basílica, agora vazio. Assim deve ser a lua, imagina-se. Espaço para 4.000 ônibus e 6.000 carros. Tudo prontinho para receber os romeiros. Como, também, o shopping da fé em frente da basílica. Esperando pelas ondas de fiéis. A alimentação dos 5.000 no deserto de concreto e asfalto. O "Maria Madalena" grill oferece carnes saborosas, servidas ao som de música sertaneja ao vivo. "Comprem meu disco, apenas dez reais. É realmente muito bonito", a cantora anuncia.

Nas ruas de Aparecida, há tendas que vendem lembrançinhas. Há réplicas da imagem de Nossa Senhora em vários tamanhos, sem ou com manta. E coroa. Mas custa extra. Um arranhão com a unha, e a tinta sai logo. "Cuidado, são feitas de gesso", alarma a vendedora. "Mas é só passar tinta pra ficar novo."

Ao lado de estátuas de Nossa Senhora, vende-se sutiã e calcinha. Ou fúzis de plástico, Made in China, e camisas piratas de clubes de futebol. E réplicas de cachorros, bem coloridas. Aperta o botão e ele late. Até para quem curte um som legal no carro acha tudo para realizar seu sonho. Um rio de pessoas na busca corre pela feira.


São mais pessoas do que durante a missa de meio-dia na basílica. Domingo de páscoa. Quase vazia. "As pessoas aproveitam o feriado prolongado para irem a praia", diz a menina no balcão de informação.

Os poucos fiéis dentro da basílica estedem as mãos. Segurando chaves de carros, celulares e fotos de familiares. Para receber a benção. Caem gotas de água benta na máquina do fotógrafo descontraído.

Tudo está fluindo, em movimento. Farofeiros de domingo ao invés de romeiros de joelhos. Cada vez menos pessoas freqüentam as missas, lamentam padres brasileiros. O individualismo avança, dizem uns. As pessoas se retiram para a privacidade, falam outros. Ambos querem dizer a mesma coisa. Os peixes vêm em latas, hoje em dia. E não mais dos rios.


Alguns anos atrás, um bispo da Igreja Universal chutou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida em plena televisão, alegando de que se tratava apenas de uma figura, e nada mais. Que era preciso livrar-se das imagens. Em um ano, o Papa virá para Aparecida. Aí espera-se que a basílica vá lotar de tanta gente. Os vendedores de lembranças já anseiam por tal dia. Como, com certeza, a cantora de música sertaneja do "Maria Madalena" grill.

Texto e fotos: Thomas Milz

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