[art_3] Brasil: Crônicas de um gringo brasileiro

São Paulo - Morry Kepp não estava se divertindo muito depois de sair de St. Louis, Missouri, do interior dos Estados Unidos, para visitar seu filho no Rio de Janeiro. "Eu ficaria mais excitado andando por um asilo de velinhos", disse.

Não exatamente uma reação comum para gingos na Cidade Maravilhosa. Mais com seu português não-existente e sem muitos interlocutores que falavam inglês, o Morry sentia privado do seu passatempo predileto: contar histórias engraçadas, muitas vezes sobre suas próprias desventuras sexuais, e escutar um coro de gargalhados, especialmente de grupos de ouvintes predominantemente femininos.

Foi só quando conseguiu frequentar uma festa habitada por dezenas de mulheres bonitas que sabiam inglês que o Morry se soltou. Contava suas historias. As meninas riam. A viagem virou um sucesso.

Com o livro "Sonhando com sotaque: confissões e desabafos de um gringo brasileiro", o filho do Morry, Michael Kepp, encontrou sua festa. "Sonhando" é uma coletânea de crônicas e ensaios que pode ser visto como uma homenagem tanto ao Morry quanto ao país que o Mike adotou há 20 anos – o Brasil. Muitos destes textos já foram publicados na imprensa brasileira, em veículos como A Folha de S.Paulo e Exame. Outras são inéditas. Quase sempre com humor e atenção aprimorada às detalhes do cotidiano, Kepp descreve sua luta para adaptar e entender o país para qual se apaixonou.

Do mesmo jeito que o Mike se chama de "gringo brasileiro", os textos neste livro são híbridos de duas tradições. De um lado lembram os ensaios confessionais, que muitas vezes contam lutas contra desafios tipo câncer ou vicio de drogas, que estavam muito na moda nos Estados Unidos na década de 90. Aproxima se também da tradição de crônicas que ponderam os hábitos e costumes do povo.

Na crônica "O que fazer com pratos sujos", Kepp aborda um fenômeno brasileiro que nunca deixa de chamar atenção aos estrangeiros aqui residentes – a falta de colaboração nas tarefas da casa pelos adolescentes brasileiros. "Lavar os pratos soa como uma tarefa razoavelmente inocente," escreve Kepp. "Mas pedir a um adolescente de classe média brasileira para molhar suas mãos – a menos que estejam numa prancha de sufre – e quase uma declaração de guerra." Kepp viveu esta guerra com os seus enteados. Sobreviveu para contar a historia.

Como muitos gringos no Brasil, Kepp também estranhou com a dificuldade que tem os brasileiros de dizer não. Este costume chegava até atrapalhar meu trabalho como correspondente internacional. Uma secretaria de uma fonte importante jurava que seu chefe me daria uma entrevista dentro de meu prazo. Eu jurava o mesmo para meus editores em Nova Iorque ou Londres – e ficava com o prejuízo quando o resultado era puro silencio e meu "deadline" passava. "Houve desencontro", teria sido a explicação se eu fosse procurar satisfação. "A idéia de um ‘desencontro’ para nós é tão alienígena quanto essa palavra é intraduzível em inglês", escreve Kepp.

Fazendo tais observações para o consumo do próprio público brasileiro, Kepp marca presença numa outra tradição - aquela dos "brasilianistas" que fazem parte do diálogo nacional. Em "Sonhando", Kepp trata deste tema, analisando os efeitos nos mercados brasileiros de afirmações de economistas como Paul Krugman da Princeton University e Rudiger Dornbusch do Massachussets Institute of Technology.

"Não espero encontrar o economista Roberto Campos na primeira página do New York Times palpitando sobre a economia dos Estados Unidos", Kepp escreveu em 1999.

Se, segundo Socrates, a vida não examinada não vale a pena vivir, a vida do Kepp vale muito. Ele analisa tudo que se pode imaginar, até os próprios analistas que ele procurou para resolver um caso de insônia. Ele oferece até um jeito para esquivar com jeito as perguntas de amigos sobre seu gosto de cinema.

Muitas destas observações vão fazer você rir. Outras vão forçar você pensar. Algumas vão levar você ter as duas reações. Quando encontra o livro na livraria, só não diga "não".

"Sonhando com sotaque: confissões e desabafos de um gringo brasileiro" foi publicado pela Editora Record (ISBN 8501065382, 240 páginas, 21,40 Reais, www.fnac.com.br)

Texto: Bill Hinchberger
Fotos + Tradução: Thomas Milz

Bill é editor da revista online www.brazilmax.com.